quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

pendant la gestation...

Bonjour amigos e leitores queridinhos, todos os processos dentro de mim são lentos, muito lentos. Tudo em mim demora para ser assimilado, digerido e só então degustado, é o inverso do processo natural da vida, mas assim é o meu ritmo, eu primeiro vivo, e por último sinto o que vivi.
Com a gestação do Caê foi assim, muitos sentimentos passaram por mim, e eu mal podia distinguir se era um processo do meu ser espiritual ou do meu corpo carnal. Acabei sintetizando e acreditando que os dois ocorreram ao mesmo tempo, enquanto meu corpo sofria com os processos químicos, físicos, meu espírito vinha sentindo as mudanças energéticas do espírito.
Com isso passei por algumas fases terríveis de mal humor, de isolamento, de sentir tudo impuro e indigno de nós dois. Os defeitos das pessoas passaram a ser intoleráveis, e suas qualidades imperceptíveis. Depois houve momentos de muita alegria, de comunhão com a barrigona, de beleza, de exaltação de amor. E todos esses momentos eu tentei apontar em textos, e muito pouco foi aproveitado, era tudo muito exaltado, então deixarei aqui um texto deste período da minha história, um momento único e memorável.

06 de junho de 2016, segunda-feira


No primeiro momento não acreditei, achei que fosse erro laboratorial.
Me assustei, olhei pra você e vi sorriso, mas eu estava congelada, gelada de susto.
Depois eu vi que por fora eu realmente havia mudado, mas por dentro eu não mudava.
E o susto virou angustia, e a angustia medo, muito medo de não ser mais só, de não ser mais livre, de não ter mais os mesmos sonhos, de abandonar o barco da escrita. Medo muito medo de ser responsável pela vida de um outro, de ter que aprender a amar, de desconstruir castelos, de enterrar caminhos antes estipulados. E o medo virou lágrima no olho que viu uma vida dentro do ventre, que ouviu um coração batendo latente e não era o seu, e então o dentro que não havia mudado, mudou. Virei do avesso, e a distância daquele som do coração, daquela mãozinha que acenava, foram dando lugar para a tristeza. Uma tristeza pelo o que eu não poderia dar ao filho que gerava, pelos anos que sonhei com esse momento e não vingou, e naquele momento tão insano, tão sem planos você veio e me frutificou. E a tristeza misturava com os enjoos, e a vontade de comer o que não se tinha, e tudo virou mal humor, e não havia mais risos, nem alegria, nem esperança, só preocupação e desgaste, e fome muita fome, e enjoo. Tudo era impuro, todo alimento parecia-me contaminado, era meu filho rejeitando o lixo por nós criado, e eu com fome muita fome, e não querendo comer, e não desejando o alimento que poderia nos abastecer. Depois cessaram os enjoos e veio a preocupação, a do nascimento, a do parto tão sonhado, tão natural e tão problematizado. E eu chamei, uma duas, três e nenhuma das vozes que chamei puderam me atender, todas disseram não. E a preocupação virou angústia e certeza, você viria ao mundo em meus braços, mesmo que para isso fosse somente nós os dois como no sonho que tive no início de tudo. E assim como o verão escaldante a preocupação ficou, deixando o frio outonal trazer o amor, o carinho que eu tanto buscava, e embora ainda não houvesse paz, havia a esperança, os braços e pernas que se moviam a todo instante me fazendo lembrar que eu nunca mais seria só, e se antes isso era angustiante neste instante soava reconfortante. Cada movimento seu é uma respiração minha aliviada, eu sei que você está bem, eu sei que você sorri, que você é luz, amor que eu não pude ser, porque você já me fez melhor, já construiu um novo castelo um que eu não FUI CAPAZ. Hoje eu sou sorriso, apenas a alegria e a paz habitam aqui, não há preocupações, não há restrições, tudo mudou, o outono secou e ficou o inverno. Eu invernei e mais uma vez me reinventei em você, e se o inverno me fechou na carne e na alma, agora sigo na calma, no reflexo oval do espelho, da barriga que cresce mais do que meus pelos. Toda a vontade de mastigar humanos, de me fazer menos matéria, de fugirmos os dois por outras esferas foi-se com os ventos de agosto. Agora só pratico yoga, deixo o corpo em repouso porque isso acalma. E agora a minha sorte será também a sua, e a sua vida salva a minha todos os dias. E quando sua luz vier ao mundo todos se curvarão diante de tamanha grandeza, porque você me modificou, me fez um ser mais puro para então descer ao mundo. Quando nossos olhos se tocarem todos os raios e trovões serão pequenos para nos ofuscar. Agora eu sou você, e você será todo o mar.



Juliana S. Müller