Bom dia flores do dia, hoje é um dia lindo e imensamente contagiante. Primeiro que é dia internacional das Mulheres e segundo que meu filho faz seis meses de vida na Terra, então é um dia para ser duplamente comemorado.
Eu escrevi um texto hoje que eu nem sei como consegui, pois o tempo com o Caê é escasso e eu sempre tenho que escolher entre dormir, comer, limpar a casa, cortar as unhas dele enquanto dorme. Mas hoje deixei tudo pra lá só pra escrever o meu relato. Há muito que tento escrever o minha experiência como mulher em versos, mas parece ficar sempre obscuro e duvidoso. Hoje tive que por em prosa, porque não cabem nas rimas, o que eu senti vontade de compartilhar com vocês.
Não escrevi esse texto com medo, nem angústia, nem ressentimento, apenas escrevi o que pra mim já é roupa batida, vivo comigo há tantos séculos que já não me surpreendo mais com o que sai de mim.
Então deixarei para vocês um esboço do como eu me sinto mulher neste mundo, e algumas experiências com as quais me deparei ao longo da vida.
Há muitos anos eu escrevo sobre o dia das mulheres. E não há nada em mim tão natural quanto o orgulho que sinto em ser mulher. Desde que sou capaz de recordar sempre amei ser mulher. Por muitos motivos diferentes em muitos períodos diferentes eu me orgulhei de ser mulher, e ainda na minha pré-adolescência já era uma feminista mesmo mal conhecendo seu significado. Não sei como tive conhecimento da palavra feminista, nem de seu sentido, mas sei que aos 12 anos eu era bem mais radical do que aos 25. Naturalmente eu não tinha experimentado ainda o amor dos homens, por isso os considerava eternos inimigos. (Com ressalvas para o amor paterno, que tive a sorte de receber de todos os homens mais velhos da família, pai avô, tios). Mas eu não amava os homens nem os admirava como admirava as mulheres, Eu me orgulhava por não ser como eles, eu os abominava por serem tão facilmente manipuláveis pelas mulheres. Eu via minhas amigas fazendo isso todos os dias, elas usavam de seus encantos para persuadi-los a fazerem o que ela desejassem. Assim foi o início da minha adolescência, parecia que eu estava do lado de fora de tudo, sempre observando os movimentos das meninas e dos meninos, com ênfase de os meninos serem quase sempre bem mais velhos do que as meninas, o que é bem comum nos relacionamentos, já que as mulheres quase sempre amadurecem muito antes do que os homens. Não me perguntem o porquê, essa é apenas uma constatação e não um embasamento científico. Então ao ver na minha adolescência no início das minhas relações com o mundo o quanto os homens eram frágeis e impotentes perante o poder sexual, manipulador e psicológico de uma mulher, eu decidi que éramos muito melhores do que eles, e assim eu pensaria por muitos anos ainda.
Durante minha adolescência eu fiquei com inúmeros rapazes, e nunca vou esquecer da sensação de desprezo que sentia após beijar cada um deles. Era uma sensação rotineira, ia lá, beijava, depois não queria nem ver na frente, era só o prazer da conquista, só. Morria de medo de algum deles desejar um relacionamento sério, porque era impossível um namoro com seres tão involuídos. Então eu ficava no máximo duas vezes com o mesmo menino, e depois dava o fora. A maioria não ligava, alguns insistiam, e outros eu me esquivava. Foi assim por muito tempo, uns quatro anos juvenis. Eu me apaixonei por alguns e obtive recusas, mas as paixões duravam o tempo da conquista, depois de conquistar, a graça do amor logo se esvaía. Algumas vezes me sentia mal por ser assim, outras sentia-me livre como uma andorinha, dizia que seria mãe solo, independente e rica. Eu ainda não sei de onde vieram essas ideias, porque não são coisas que as pessoas me diziam. Todas as mulheres da minha família casaram por amor e alimentam seus casamentos até hoje pelo mesmo motivo. Então esse estranhamento e eterna desconfiança que eu sentia pelo sexo masculino vinha unicamente de mim, possivelmente estava guardado em meu gene, de uma vida anterior, de experiências que eu não posso recordar por serem de vidas outras, mas que certamente deixaram um alerta na minha mente. Eu nunca tive ingenuidade, tenho certeza disso, desde criança desconfio dos homens, nem o mais amável me parecia confiável. E isso se intensificou muito na puberdade, na juventude e na maturidade. Na adolescência fiz inúmeros amigos homens, me identificava muito com a irmandade, cumplicidade, lealdade, e desapego com a imagem que os meninos tinham com os seus pares. As meninas eram competitivas, fofoqueiras, más, desleais, e muito interesseiras, sem contar a parte em que a vida toda era voltada para a conquista dos homens. Eu tinha certeza na adolescência que os homens eram muito melhores amigos do que as mulheres, era assim que eu me sentia sempre, embora eu desconfiasse dos homens, e me sentisse superior a eles. Mas eu gostava da forma como se relacionavam entre si, e nisso desprezava imensamente as mulheres. Portanto na adolescência eu era capaz de afirmar que sim a amizade entre homens e mulheres era possível, e acima de tudo necessária. Mas aos 16 anos era impossível conversar com os meninos, nesse momento eu já estava experimentando o mundo com todas as minhas forças, enquanto eles ainda brincavam de vídeo-game. Era desolador, meninos com barba, altos, desenvolvidos fisicamente, completamente mirrados socialmente. Foi quando me voltei para a amizade com as meninas novamente, só elas entendiam as minhas descobertas e o relacionamento maduro que eu desejava ter. Os meninos pobres coitados, não sabiam o que esperar de suas vidas, poucos sabiam a profissão que desejariam ter, estavam se preparando para as universidades, ou sequer tinham beijado uma menina. Por isso os relacionamentos eram feitos entre meninas adolescentes e rapazes maiores de idade, porque era impossível se relacionar com um rapaz da mesma idade. A disparidade de ideias e experiências era inacreditável. Foi quando aos 17 me apaixonei por um homem 15 anos mais velho, músico (baterista), que lia, tinha experimentado o mundo como nenhum dos homens que eu conhecia tinha experimentado antes. Cozinhava maravilhosamente, entendia de vinhos, e principalmente, muito principalmente tinha uma vida espiritualizada. Foi esse um momento de ruptura na minha vida, quase tudo o que eu sabia sobre homens caía por terra. Toda aquela literatura que eu vinha lendo se transformou em vida, eu sempre acreditei que encontraria esse homem, só não esperava tão cedo. E foi quando eu me vi completamente desprevenida para o que viria.
Cordialidade, eu nunca , jamais fui uma pessoa cordial com qualquer pessoa na minha vida, sempre fui egoísta, e meu ideal feminista implícito de alguma forma no meu DNA me encorajava a ser ríspida com os homens e nenhum pouco afetiva. Foi quando conheci um homem que também se apaixonou por mim, mesmo sabendo das dificuldades que viriam, das discrepâncias pela idade, dos preconceitos nossos e alheios, e principalmente dos momentos tão distintos entre nós. Quando conheci esse homem que me fascinava, e ainda me amava mesmo com todos os meus inúmeros defeitos, porque eu me achava bem defeituosa (fisicamente é claro, porque intelectualmente sempre fui muito segura de mim), eu não imaginava que teria que mudar tanto para poder continuar me relacionando com ele. Nunca esquecerei que quando ele chegava na minha casa, minha irmã e minha mãe ofereciam água, café, algo pra comer e eu permanecia lá, sentada ao lado dele sem perceber nada disso, não via qualquer obrigação de ser gentil e lhe oferecer algo. Foi depois de inúmeras chamadas das mulheres da minha família e constrangimentos dele, que percebi o quanto ser feminista poderia me atrapalhar nesse relacionamento que eu tanto prezava. E lembrei do dia em que fui servir a comida em uma janta na casa da minha tia, e um rapaz que eu era afim, mas nem tanto, me pediu que o servisse também, e eu olhei pra ele com muita indignação e disse: Eu não nasci pra servir homem!! Isso eu disse com orgulho, e ele ficou com a face igual os relógios de Dalí. Então pra eu entender que boa parte da minha relação se basearia em agradar o outro, ser gentil, independente se fosse ele homem ou mulher, foi muito difícil, porque eu já estava aprendendo a ser gentil com as mulheres há algum tempo, mas com os homens era algo que doía em mim. E foi deixando de ser dolorido quando eu percebi que doía menos quando você cozinhava algo que agradava a pessoa que você amava, que mostrar que você se importa é algo confortável em qualquer relação que você mantiver na sua vida. E assim eu fui me convertendo de uma mulher das cavernas, para uma mulher mais calma, apaziguada e finalmente ou quase gentil. Nos dois primeiros anos do meu relacionamento fui muito gentil, gentilíssima, o amor me converteu em alguém melhor não só pro meu atual marido como também pra minha família. Mas eu abri mão de ideologias que foram ficando insustentáveis, e por um tempo quase desacreditei na união e na amizade das mulheres, quase voltei ao período em que acreditava que amizade entre mulheres eram inviáveis devido à competição e à inveja. Mas aí vieram os homens curitibanos e me mostraram que os homens não sabem se relacionar com as mulheres apenas por amizade, que elogiar um homem, ou seu trabalho é querer algo mais do que apenas ser cordial e amigável. Eu aprendi e desaprendi rapidinho a confiar nos homens, a cidade na metrópole arrancou a última gota de ingenuidade que eu tanto cultivei em mim, não restou nada. Todo o amor e confiança que eu aprendi a ter para com os homens através do meu relacionamento com o meu marido, eu perdi com a vida na metrópole. O interesse dos homens pelos quais me aproximei porque os admirava e pelos quais desejava manter uma linda e longeva amizade, laços que gostaria de criar para a posterioridade, pelo trabalho, pelas parcerias que poderiam se concretizar, viraram pó, porque os homens viram a imagem, se vislumbraram e esqueceram da amizade. Foi depois de três anos tentando estabelecer vínculos com amigos homens, que cheguei ao ápice de receber o assédio moral de um professor, que rompeu a barreira da amizade e com palavras arrancou de mim toda a desconfiança e admiração que eu nutria por sua pessoa. Desde então decidi parecer menos interessante fisicamente, e eu que era imensamente satisfeita com meu corpo, mente e alma, fui procurando de todas as formas me desconstruir, mas foi só quando cortei o cabelo que os assédios na rua deixaram de existir, foi um alívio, porque só nesse momento percebi que passava a ser invisível aos olhos dos homens. Consegui me neutralizar na sociedade, por um tempo foi muito reconfortante. mas logo eu desentristeci e achei que já podia voltar ao mundo com minha vaidade. Porque não sofreria mais na tentativa de firmar parcerias, nem tentaria ser cordial, nem gentil, nem amigável com nenhum homem que eu admirasse, porque das flores que eu colhi tudo o que aprendi foi a manter o espírito e o corpo invioláveis. Às vezes leio poemas de autores contemporâneos e sinto um desejo incontrolável de elogiar, de mostrar como aquilo foi profundo e bonito, mas há sim um bloqueio e não me permito, há um medo de ser mal interpretada e por isso prefiro guardar todos os elogios para as mulheres que eu admiro e aos homens que ainda confio, pai, irmão, avô, marido e filho. São esses os homens que ainda têm o meu amor mesmo que aos pouquinhos. Vai ver por isso o cosmos me mandou um filho homem, pra ver se restauro a minha confiança no mundo através do amor que nunca fui capaz de depositar em nenhum homem, ou talvez pra eu criar um homem melhor pra esse mundo, um homem que seja completamente diferente dos que conheci e que provavelmente conhecerei. Espero sinceramente ao desencarnar deste mundo, ter deixado dois homens sensíveis e feministas, um eu sei que já ajudei a melhorar muito, o outro eu só posso esperar o tempo passar e ver o que fica dos valores que a gente acredita transmitir e dos amores que tentamos imprimir neles.
OBS: Sei que não me fiz tão esclarecida com esse texto, e percebam que o principal motivo para escrevê-lo é porque sinto a necessidade de escrever algo neste dia para os meus leitores. Mas como não tenho mesmo muito tempo para escrever agora, deixo esse breve relato da minha experiência feminina impressa nestas palavras que muito pouco podem retratar dos intensos momentos que experimentei vivendo o mundo desde que saí da minha cidadezinha e passei a viver em Curitiba.