E não era minha boca quem sorria apenas, era o meu espírito que já não compreendia a vida da mesma forma, eu agora não usava a mesma plataforma. Fui entrando cada vez mais na minha existência e desejei intensamente saber quem eu era, e eu ainda não sei, o que eu sei é quem eu não sou, e quem eu não quero ser. Em 2014 mudamos para uma casa grande, espaçosa, meu marido se olhou no espelho sem barba e não reconheceu mais a sua vida, pediu a conta do seu trabalho, e fomos para o pilarzinho, neste bairro começamos outra história. Mas antes deste dia chegar, eu voltei pra Corbélia de férias, e numa noite inesquecível, na casa da minha irmã mais velha, eu bebi todo o vinho que meu cunhado tinha com ele e outra irmã mais nova, e em francês consegui expor toda a dor que me espremia. Foi nessa noite que eu vi no brilho dos olhos da minha irmã algo que antes ela não tinha, exatamente naquele dia, dentro do seu ventre germinava a semente que eles tanto queriam. Foi naquele dia que a Laura apareceu pela primeira vez na minha vida, através dos olhos da minha alma gêmea nesta vida.
No triplex, eu ganhei meu primeiro animal de estimação, ele me foi trazido por uma amiga querida, e cheia de alquimia. O gatinho Chicó trouxe com ele a alegria que eu não conhecia, e o amor ao reino que eu ainda não fazia ideia de como me mudaria. Com uma semana de convivência com o Chicó eu me tornei vegetariana. Eu amei aquele ser com tanta intensidade, que me choquei com a doação que fiz a alguém que não fosse eu mesma. Assim como chegou, o Chicó se foi, e comigo deixou a certeza de sua missão, concretizei um desejo e uma certeza que há muito tempo eu já cultivava dentro da minha consciência, o vegetarianismo não é apenas uma causa, é uma exigência, é uma ascensão do ser humano que precisa ser alcançada por todos aqui na terra. Quando você aqui na terra aprender a redirecionar o seu olhar para a existência no mundo, você não comerá mais os animais. E foi olhando para aquele ser frágil e selvagem que era o Chicó, que não pude mais comer carne, eu sentia que o desrespeitava, e o amor que eu senti por ele se estendeu a todos os seres deste mundo. Eu entendi pela primeira vez o quanto éramos tolos em comer nossos irmãozinhos de diferentes corpos. Me senti canibal, e percebi que realmente o era se entendia que Chicó era o meu igual. Aaai Chicó, sua passagem merecia muitas linhas, me ensinou tanto em tão pouco. E foi com o professor Laercio que obtive as explicações para todas essas sensações e experiências que vieram em doses cavalares em 2014, 2015, 2016 e 2017 e me transformaram em um novo ser. O professor Laercio é um astrofísico, médium, e extremamente consciente e iluminado, só ele conseguiu me trazer explicações razoáveis através de suas palestras gratuitas no youtube. As teorias que ele expõe com total clareza, eram certezas que eu tinha e não encontrava ninguém que as dividia, a forma racional e coerente que ele divide as suas certezas, são hoje um guia que eu mantenho sempre ao alcance da minha mão.
Foi em 2014 que comecei um processo que só encerrei este ano de 2018.
A palavra que eu mais ouvi em 2014 foi, GRATIDÃO.
Vozes: Baden pawell, Françoise Hardy, David Bowie, Los hermanos, Belchior, Céu, Lenine.
2015. Esse foi com certeza o ano em que eu mais curti estar viva, consciente e livre para fazer com o meu tempo o que eu sentia vontade, criar. O apartamento no centro foi uma morada incrível, onde recebemos muitas pessoas de vários cantos do Brasil, e além do Brasil. Lá construímos memórias dignas de um longametragem, mas o momento e a expansão da consciência pediam um lugar mais tranquilo e amplo, era impossível expandir qualquer coisa naquela caixa de sapato tão querida. Foi quando nos mudamos pro triplex de um amigo mais que querido no pilarzinho. Lá era meu paraíso, eu vivi naquela casa um dos meus últimos desejos da juventude curitibana, morar com amigos e criar um ambiente de criatividade artística intensa. Com influência da casa amarela da Frida kahlo, me imaginava sendo a mantenedora de um lar que fosse aberto aos público, a casa eu tinha, os amigos também, só faltava o público. E foi em uma guinada totalmente contrária do que eu vinha experimentando, que eu pude viver o último ano de forma renovadora em Curitiba. Primeiramente, estávamos longe do barulho, das multidões do centro, dos museus, dos teatros, e morando ao lado de todos os parques do norte da cidade. O ar era refrescante, e a vizinhança silenciosa, os pássaros e os cachorros fizeram nossas primeiras noites impossíveis, depois nos acostumamos com a nossa vizinhança e tudo fluiu de forma tranquila e harmoniosa.Tinha uma roseira e um pé de tomate deixados pela antiga dona da casa, e minha varanda do quarto era sombreada por uma arvorezinha amigável, que se enchia de flores amarelas e abelhinhas na primavera. Se o ap do centro foi cena de filme, o triplex foi uma pintura de Van Gogh. Sem conhecer ainda a obra de Van Gogh na época como conheço hoje, pintamos a cozinha de amarelo, porque era a cor do meu momento, de renascimento e luz, e sentimentos extremos. Nossa casa foi arrumada de forma que tudo remetia ao desejo de produzir arte. As nossas amigas a Isa já mencionada e a Rafa, uma libriana de campinas, amiga de infância da Isa, vieram morar temporariamente conosco. Elas dividiram um quarto da nossa maison, por três intensos meses. Foi um período de muitos sentimentos e experiências, eu me sentia totalmente desapegada no começo, não me importava de dividir tudo com todos. Eu e o Arnoldo fomos muito felizes no período em que estivemos com elas, e as nossas noites eram quase sempre animadas, e encorajavam debates debaixo do céu estrelado e negro, como eu não havia visto ainda em Curitiba.
As meninas eram vegetarianas, e isso facilitou muito nosso convívio, o que não facilitou não importa, somos todos seres defeituosos, mas o amor prevalece sempre acima de qualquer infortúnio. E nós vivemos amorosamente com nosso gato Chicó, com a Rafa e a Isa, e nossos amigos das estrelas que eram assunto pra madrugadas regadas a cerveja, vinho, muita música, loguka e
ás vezes marijuana. Cada um sabe o que desperta a sua fala, pra mim o vinho é batata. Fizemos muitas festinhas de natal no sótão e na cozinha, e para isso não tinha dia. Quando um estava em baixa, o outro sempre trazia regalias, e nem preciso dizer que o Arnoldo muitas vezes se cansava das nossas filosofias. Éramos três jovens fêmeas com toda uma vida pela frente contra um quase quarentão, cheio de cansaços e responsabilidades que nenhuma de nós conhecia ou concebia. Mas toda a nossa energia servia para restaurar nele a fé na humanidade que ela já quase não via. Nós quatro nos completávamos em nossos espíritos quebrados e em reconstrução, muitas coisas nos unia e desunia, a imaturidade não ajudava muito, mas o amor, a espiritualidade e o respeito, nos mantinha vivos e na maioria do tempo em harmonia.
Neste período criamos muitas coisas, e eu me inspirava como nunca a escrever prosa em detrimento da poesia. Eram dias ensolarados de noites frescas e muitos miados. Com o passar do tempo, nossa casa virou palco de ensaio para a banda da Isa, e isso me excitava, queria viver como Frida, no meio da arte, no meio de espíritos de energia positivas.
E foi neste ano que a Régis se consolidou ainda mais na minha teia de amigos, nossos espíritos se encontraram como nunca, e a admiração que eu tinha por ela, era coisa louca, uma mulher que merece ser aplaudida em pé, sem exageros, uma guerreira que era mastigada pelo mundo e vencia todos os dias. Eu via a Régis nas aulas de literatura, ela era uma pessoa que chamava a minha atenção, entrava e saía com a mesma velocidade, nunca encontrei ela pelos corredores, era visível que sua vida não girava em torno da universidade. E lá em 2013, quando ela ficou sabendo do meu encontro com Oswaldo, ficou alucinada, e se aproximou de mim, como eu jamais preveria. Nossa conexão só aumentou, e todas as barras que ela aguentou, eu a vi enfrentar com maestria. Foi um dos últimos tesouros que Curitiba me deu, e guardo ela no mesmo baú que todas as outras amigas e amigos que conheci nestes sete anos de Curitiba. Foi um casamento longo com a cidade, e em 2015 a crise do país, junto com as transformações que aconteceram nos nossos espíritos e em nossas vidas, vieram por fim ao período até então, de maior transformação e riqueza pessoal que eu jamais havia imaginado em todas as minhas alucinações de adolescente, e ficções literárias. Vivi um ápice de crescimento humano que eu não saberia contabilizar, só posso desejar que meu filho passe por esse movimento um dia.
Depois que as meninas foram embora do triplex em meados de junho, o movimento dos meus dias acabaram, e agora eu tinha mais espaço e tempo para aprofundar minhas experiências espirituais e artísticas introspectivas. E foi assim, que passei a meditar, compor músicas para o novo gato o Peri, e a escrever novamente poesia. Eu me impus uma rotina, acordava cedo, lia, escrevia, me alongava, pesquisava qualquer coisa. E ouvia as palestras do professor Laercio no youtube. O nível de consciência que eu adquiri como ser espiritual nesse ano, é maravilhoso, nunca tinha estado mais consciente da vida do que nesse ano. E ter essa compreensão acalmou mais ainda as minhas expectativas, e a paciência se tornou meu lema e minha sina. Com as meditações antes do meio dia, consegui ter luzes que me inspiraram muito, e me tornaram ainda mais criativa. Em uma dessas meditações visualizei os meus poemas sendo personificados através de performances no youtube, nunca me passou pela cabeça tal ousadia, mas naquele período minha energia estava a toda, e tudo o que remetia à arte eu seguia e não discutia. Sabia que seria apenas uma memória pra mim mesma pra algum dia de baixa estima, e foi revigorante transformar meus poemas em som, e voz, e corpo e máscara. Era a Musa quem falava, eu nunca tinha interpretado, e foi sem nada que fiz isso. Quando lembro da câmera de celular que gravei aqueles vídeos, vejo quanto ousada fui, não sei se repetiria tal anarquia. Mas estão guardados na memória do youtube, e meu filho e sobrinhos rirão disso um dia, quando eu for velha o suficiente pra achar belo esse gesto impetuoso de expor tudo o que eu não saberia ser, toda a minha arte jamais mencionada, jamais reconhecida. Vai ser revigorante e talvez até inspire os jovens e amigos, dos amigos das nossas crias algum dia. Mas as músicas, vídeos, textos e pensamentos que criei naquele ano, no triplex, nas noites sozinhas em que o Arnoldo ia tocar fora da cidade, e por medo de bandidos invadirem a casa, eu tocava violão a noite toda, na companhia do gato Peri, e embriagada pelo sono construía canções e melodias que saíam de alguma parte de mim que em sã consciência parecia inacessível.
Quando no fim de setembro decidimos voltar pra Corbélia, eu já não amava mais Curitiba, dela me divorciara, e sentia raiva por ter nos expulsado, logo agora, que fazíamos auto-hemoterapia todas as quartas, que a feira do bairro tinha as melhores frutas. Que as tardes de domingo na rua São Francisco ofereciam diversão gratuita. Sim, nós já havíamos decorado os quadros pendurados nas paredes do MON, nossos amigos já faziam parte da nossa rotina, e o mapa de Curitiba estava fotografado nas minhas retinas. Foi com tristeza que me despedi de Curitiba, mas não queria ir pra lugar nenhum, nem pra Europa, Floripa, ou qualquer outra cidade que não fosse Curitiba, só pensava em voltar pra casa, eu precisava entender e assimilar todos aqueles anos na terra dos pinhões. Meu espírito estava esgotado e já desejava um lugar mais calmo, uma vida mais simples, e a humildade que eu ainda não sentia, viria mais cedo do que eu previa, mas com uma imensa dificuldade em ser aceita, eu ainda sentia ansiedades que não controlava, ainda era egoísta, ainda me orgulhava de feitos que eram fatos dados, e dos quais eu pouco compreendia. Enfim, a temporada em Curitiba foi um aglomerado de informações que nenhuma pesquisa no google me traria. Cheguei menina, e voltei mulher adulta. Cheia de histórias, e completa pelos amigos que não se esvaziam jamais da minha mente. Persigo seus passos e comemoro suas vitórias. As páginas que escrevi naqueles anos, ainda as leio com a lágrima e o riso pesando sempre do mesmo lado. Nos últimos passos que dei naquele asfalto tão cinza, tão limpo, eu vi minha sombra e não senti pena do que eu não mais veria, eu sabia que outras páginas seriam escritas, não conhecia o conteúdo, mas sempre soube da efemeridade das coisas e da perda dos significados. Tudo tem fim, menos a memória e o espírito que são eternos mesmo quando julgamos acabados.
2016. O ano em que o Caetano finalmente veio.
Em 2012, fomos num médium famoso em Toledo, que nos disse que havia um menininho esperando pra encarnar no meu ombro direito. Em janeiro de 2016, eu e o Arnoldo estávamos em Corbélia, na casa da minha mãe dando um tempo desde outubro de 2015 quando viemos de Curitiba em uma longa viagem de carro, com um gato, uma horta, passando por Floripa e chegando em fim no velho oeste paranaense. Fizemos vários planos, e quando chegamos decidimos que o Arnoldo iria descansar por um tempo e eu depois de janeiro iria atrás de um trabalho. Mas 05 de janeiro transamos sem camisinha no meu período fértil, então, depois de três semanas minha menstruação não veio, e uma semana depois enquanto o Arnoldo fazia uma viagem rápida com meu pai até paranaguá, eu a mando de minha mãe fiz um exame de anemia e outro de gravidez, segundo ela, só um destes dois fenômenos poderiam justificar a minha leseira, eu dizia que era só o calor cozinhando meu corpo, e eis que nesta semana fui entregar currículo em Cascavel nas escolas, no último colégio, o ideal, eu fui chamada para a entrevista, na sexta-feira desta semana, não me recordo o porquê, mas todas as pessoas da minha família se encontravam na casa da minha mãe, às cinco horas minha irmã chegou com o exame, eu abri, quase desfaleci, o Arnoldo só ria, e eu amarela de medo, de insegurança, de descontentamento, e alegria, e euforia, sentei e falei, agora só me falta o emprego. Às cinco e meia da tarde me ligam do ideal dizendo que eu havia conseguido a vaga para professora de espanhol, a qual eu recusei na outra semana quando descobri o valor das aulas que mal pagariam as despesas de ida e volta e alimento. Decidimos então que o Arnoldo iria trabalhar e eu ficaria novamente em casa, agora gestando. gerando a vida dentro de mim na maior tranquilidade possível. E essa foi a revolução com a qual nós não contávamos em nossa vida, não neste momento, fosse dois anos antes, tudo estaria perfeito. Plano de saúde, instalação do bebê, estabilidade financeira, e todas as condições para o sonhado parto humanizado em Curitiba. Mas éramos recém chegados no velho oeste, completamente desavisados do tempo que aqui havia parado. Tudo parecia precário e descompensado. A comida era pavorosa, tudo muito doce, tudo muito salgado. Os vegetais frescos cheiravam agrotóxicos, e o sabor era indecifrável, as ruas eras sujas da poeira acumulada, e da terra vermelha que macha todos os móveis e sapatos. Somado à isso, meus hormônios me enlouqueceram, me desequilibraram como na puberdade, foi o ano em que voltei a me sentir como na adolescência, vivendo em uma cidade sem esperanças, sem perspectivas e com os sentimentos completamente instáveis. A superfície de tudo me parecia impuro, mas eu sabia que era exatamente ali que eu deveria estar naquele momento, sempre planejei ter meus filhos no interior, sempre desejei que tivessem a infância segura e livre que eu tive, assim como a proximidade física com os amigos do bairro. E agora, não havia nada mais que eu queria nesta vida do que ter meu filho ao lado da minha família. E todas as regalias da cidade grande foram sendo esquecidas através do amor da família. Mas tudo fez sentido, todas as privações eram superadas facilmente com a minha florzinha, a Laura. Nós nos amamos intensamente todos os dias durante um ano e alguns meses. Nossa relação vêm de tempos, e todas as manhãs quando aquele ser tão pequenininho chegava na nossa casa, meu peito se derretia e o sono perdia vez. Os dias eram só dela, meu tempo era o seu tempo. Aquele voz tão meiga e desgovernada me acalentavam, e despertavam o Caê de seu templo. Um amor desses, que nos torna cegos, e monopolizados todo o tempo é difícil de ser superado, só o amor de mãe pra equilibrar em seu peito tantos amores ao mesmo tempo. Com a Laura fui aprendendo a ser mãe e tia, e pude realizar meu sonho de transmitir todo a minha teoria materna a ela. Nós duas gestamos o Caê, ela o amou desde o começo. E nós vivemos com intensidade esses noves meses numa casa grande, ensolarada de madeira, com frutas no terreiro e gatos por todos os lados. Foi um inverno passado ao redor do fogão à lenha, com leite direto da vaca e mandioca colhida na horta. Os dias eram tranquilos e esparsos. O único som noturno era o dos meus chinelos no assoalho que, faziam ranger toda a casa com o peso do meu corpo esférico e lento deixando rastros. A gestação foi me acalmando de uma forma que ao final meu equilíbrio já estava restaurado. E no dia sete de setembro a bolsa rompeu, e eu não fiquei em choque nem histérica, apenas continuei com os mesmos lentos passos, até a madrugada, quando fui ao posto, e então transferida para Cascavel. O Caê veio a nascer no dia 08 de setembro no fim do turno de um ótimo médico. Foi cesárea, muito bem conduzida e justificada com a incapacidade do meu colo dilatar mesmo com ajuda da ciência médica. Foi lindo, o Arnoldo corria pela sala cirúrgica segurando o Caê nos braços com o sorriso mais largo e me pedia pra cantar o leãozinho, e eu mal conseguia manter os olhos abertos pra enxergar o filho que coloquei no mundo. Desde esse dia nunca mais dormi uma noite inteira, e os anos foram medidos entre uma mamada e outra, entre uma papinha e outra, os dias não são mais os mesmos, nem o tempo. Levei dois dias pra conseguir conceber esse texto, porque os intervalos são poucos, e a atenção pra ele bastante. Não ouso corrigir esse texto, tudo nele vai ficar imperfeito como a nossa vida parece ser. Confuso, cheio de tropeços, mas com um sentido maior para tudo.
O ano de 2017 foi de transformação novamente. Eu me reinventei, agora mãe, agora mais forte e mais objetiva, sem muitos pretextos, sem muita paciência para nada que não seja o bem estar do meu primogênito. Os motivos do mundo são mesquinhos e intrigueiros, não contamino mais minha vida com nada que não seja feito de luz e amor. Todas as políticas do mundo são feitas através do ego, todas as decisões do mundo são tomadas por homens que só conhecem a mesma arma, eles desconhecem totalmente a razão da alma. Eu não aconselho ninguém, porque minhas palavras são secas e diretas, elas não agradam e nem fazem casa onde o ego se mantém. O ano de 2017 passou entre dificuldades enormes nesse meu aprendizado diário que é ser mãe, porque é algo do qual não me dissocio facilmente, é um título que ninguém mais quer carregar, é uma responsabilidade que dói, cansa, e priva dos maiores confortos terrenos. Ser mãe me trouxe para um lugar onde não há luxúria, egoísmo, nem vaidades. Assim como o amor que eu tinha pelo Chicó se estendeu por todos os seres do reino dévico, o Amor que eu sinto pelo Caê se expandiu por todas as crianças do mundo. E agora nada mais importa, todas as ideologias e filosofias que não visem o bem estar destes espíritos frágeis e dependentes de nós seres adultos e capazes, me importa. A humildade eu só vim conhecer agora. E humildade eu entendo pela incapacidade de criticar qualquer forma de vida, incapacidade de culpar o outro, de questionar os motivos alheios, de identificar o que o outro faz como não sendo direito. Eu sei o que eu não sei do mundo, e isso já me basta. Hoje aos 27 anos, em 2018, após dez anos de estrada, eu posso dizer que como ser humano estou evoluindo dentro das minhas possibilidades, eu reconheço os meus fracassos sem dor, eu vejo o meu presente e o meu futuro sem medo. Já tenho ideais que se cristalizaram em minha compreensão de mundo e só mudarão quando eu for capaz de enxergar as coisas que ainda não vejo, com meus próprios olhos, ou melhor, com todos os meus olhos. Eu sou imensamente grata pela trajetória que escolhi, por todas as passagens até aqui, da minha capacidade de discernir e perdoar, eu sou grata pelas pessoas que me acolhem em seus corações e me leem como eu realmente sou. Sou grata pela minha família que me ama mesmo não me conhecendo como eu gostaria, que compreende pouco os meus desejos, mas me apoia e não interfere neles, e porque foram eles que me ensinaram a amar todas as vezes que me dão amor, e me recebem em seus lares com um sorriso que muitas famílias desconhecem. Eu sou grata por nesses 27 anos nunca ter passado pela fome, pela doença, por dificuldades que não conseguem ser superadas. Eu agradeço pelo avanço da tecnologia e suas facilidades. Eu sou grata pelos professores que amam, porque sem isso, o sistema de ensino morre. Eu sou grata ao Arnoldo que me acompanhou esses últimos dez anos da minha vida, e fez dela o mais agradável possível, mesmo que pra ele o sacrifício não fosse leve. E agradeço por tê-lo transformado inteiramente assim como ele me transformou.
Hoje somos uma família cheia de amor, filosofia, histórias incríveis, espiritualizada e sem religião.
O que eu deixei para depois dos 27 é um sonho grande de ver o mundo despertar e trabalhar ferozmente para acordar quantos espíritos eu puder sem imposições. E deixei sonhos pequenos, realizáveis com um pouco de trabalho físico e intelectual.
Eu nunca pensei que escreveria um texto da minha vida sem sentir dor, sem sofrer, e o que me surpreendeu nesse processo foi exatamente isso, esse balanço me mostrou que a forma como eu lembro da minha vida é extremamente feliz e cheio de boas energias.
Esse texto era para ter sido acabado ontem, no meu aniversário, mas ficou pra hoje e só consegui concluí-lo porque meu marido está em casa e deu conta de tudo sozinho. São quinze horas de escrita contínua. Não tenho pique para corrigi-lo. conforme o tempo for passando, eu vou revisando e recuperando algumas coisas esquecidas.
Vozes desde 2016 até hoje: Bita, onça felinda, palavra cantada, turminha paraíso, canções da fazenda, Céu, Alceu Valença, Francisco el hombre, Bethânia, e por aí vai.
Obrigada aos que chegaram até aqui. Não é um poema, é a história dos últimos dez anos da minha vida. Tentei ser o menos prolixa possível, imaginem, caber tantos anos em duas páginas apenas, é de cortar muita história fora.
Bem, tenham uma boa vida, e espero que tenham forças para fazer um balanço de seus idos queridos também, daqui dez anos escreverei um novo balanço e então terei duas décadas de registro para os meus já então jovens sobrinhos e filho se deleitarem ao conhecer, a pessoa que eu fui, sou e serei.
Bisous.
Juliana da Silva. 27 de abril de 2018.
No triplex, eu ganhei meu primeiro animal de estimação, ele me foi trazido por uma amiga querida, e cheia de alquimia. O gatinho Chicó trouxe com ele a alegria que eu não conhecia, e o amor ao reino que eu ainda não fazia ideia de como me mudaria. Com uma semana de convivência com o Chicó eu me tornei vegetariana. Eu amei aquele ser com tanta intensidade, que me choquei com a doação que fiz a alguém que não fosse eu mesma. Assim como chegou, o Chicó se foi, e comigo deixou a certeza de sua missão, concretizei um desejo e uma certeza que há muito tempo eu já cultivava dentro da minha consciência, o vegetarianismo não é apenas uma causa, é uma exigência, é uma ascensão do ser humano que precisa ser alcançada por todos aqui na terra. Quando você aqui na terra aprender a redirecionar o seu olhar para a existência no mundo, você não comerá mais os animais. E foi olhando para aquele ser frágil e selvagem que era o Chicó, que não pude mais comer carne, eu sentia que o desrespeitava, e o amor que eu senti por ele se estendeu a todos os seres deste mundo. Eu entendi pela primeira vez o quanto éramos tolos em comer nossos irmãozinhos de diferentes corpos. Me senti canibal, e percebi que realmente o era se entendia que Chicó era o meu igual. Aaai Chicó, sua passagem merecia muitas linhas, me ensinou tanto em tão pouco. E foi com o professor Laercio que obtive as explicações para todas essas sensações e experiências que vieram em doses cavalares em 2014, 2015, 2016 e 2017 e me transformaram em um novo ser. O professor Laercio é um astrofísico, médium, e extremamente consciente e iluminado, só ele conseguiu me trazer explicações razoáveis através de suas palestras gratuitas no youtube. As teorias que ele expõe com total clareza, eram certezas que eu tinha e não encontrava ninguém que as dividia, a forma racional e coerente que ele divide as suas certezas, são hoje um guia que eu mantenho sempre ao alcance da minha mão.
Foi em 2014 que comecei um processo que só encerrei este ano de 2018.
A palavra que eu mais ouvi em 2014 foi, GRATIDÃO.
Vozes: Baden pawell, Françoise Hardy, David Bowie, Los hermanos, Belchior, Céu, Lenine.
2015. Esse foi com certeza o ano em que eu mais curti estar viva, consciente e livre para fazer com o meu tempo o que eu sentia vontade, criar. O apartamento no centro foi uma morada incrível, onde recebemos muitas pessoas de vários cantos do Brasil, e além do Brasil. Lá construímos memórias dignas de um longametragem, mas o momento e a expansão da consciência pediam um lugar mais tranquilo e amplo, era impossível expandir qualquer coisa naquela caixa de sapato tão querida. Foi quando nos mudamos pro triplex de um amigo mais que querido no pilarzinho. Lá era meu paraíso, eu vivi naquela casa um dos meus últimos desejos da juventude curitibana, morar com amigos e criar um ambiente de criatividade artística intensa. Com influência da casa amarela da Frida kahlo, me imaginava sendo a mantenedora de um lar que fosse aberto aos público, a casa eu tinha, os amigos também, só faltava o público. E foi em uma guinada totalmente contrária do que eu vinha experimentando, que eu pude viver o último ano de forma renovadora em Curitiba. Primeiramente, estávamos longe do barulho, das multidões do centro, dos museus, dos teatros, e morando ao lado de todos os parques do norte da cidade. O ar era refrescante, e a vizinhança silenciosa, os pássaros e os cachorros fizeram nossas primeiras noites impossíveis, depois nos acostumamos com a nossa vizinhança e tudo fluiu de forma tranquila e harmoniosa.Tinha uma roseira e um pé de tomate deixados pela antiga dona da casa, e minha varanda do quarto era sombreada por uma arvorezinha amigável, que se enchia de flores amarelas e abelhinhas na primavera. Se o ap do centro foi cena de filme, o triplex foi uma pintura de Van Gogh. Sem conhecer ainda a obra de Van Gogh na época como conheço hoje, pintamos a cozinha de amarelo, porque era a cor do meu momento, de renascimento e luz, e sentimentos extremos. Nossa casa foi arrumada de forma que tudo remetia ao desejo de produzir arte. As nossas amigas a Isa já mencionada e a Rafa, uma libriana de campinas, amiga de infância da Isa, vieram morar temporariamente conosco. Elas dividiram um quarto da nossa maison, por três intensos meses. Foi um período de muitos sentimentos e experiências, eu me sentia totalmente desapegada no começo, não me importava de dividir tudo com todos. Eu e o Arnoldo fomos muito felizes no período em que estivemos com elas, e as nossas noites eram quase sempre animadas, e encorajavam debates debaixo do céu estrelado e negro, como eu não havia visto ainda em Curitiba.
As meninas eram vegetarianas, e isso facilitou muito nosso convívio, o que não facilitou não importa, somos todos seres defeituosos, mas o amor prevalece sempre acima de qualquer infortúnio. E nós vivemos amorosamente com nosso gato Chicó, com a Rafa e a Isa, e nossos amigos das estrelas que eram assunto pra madrugadas regadas a cerveja, vinho, muita música, loguka e
ás vezes marijuana. Cada um sabe o que desperta a sua fala, pra mim o vinho é batata. Fizemos muitas festinhas de natal no sótão e na cozinha, e para isso não tinha dia. Quando um estava em baixa, o outro sempre trazia regalias, e nem preciso dizer que o Arnoldo muitas vezes se cansava das nossas filosofias. Éramos três jovens fêmeas com toda uma vida pela frente contra um quase quarentão, cheio de cansaços e responsabilidades que nenhuma de nós conhecia ou concebia. Mas toda a nossa energia servia para restaurar nele a fé na humanidade que ela já quase não via. Nós quatro nos completávamos em nossos espíritos quebrados e em reconstrução, muitas coisas nos unia e desunia, a imaturidade não ajudava muito, mas o amor, a espiritualidade e o respeito, nos mantinha vivos e na maioria do tempo em harmonia.
Neste período criamos muitas coisas, e eu me inspirava como nunca a escrever prosa em detrimento da poesia. Eram dias ensolarados de noites frescas e muitos miados. Com o passar do tempo, nossa casa virou palco de ensaio para a banda da Isa, e isso me excitava, queria viver como Frida, no meio da arte, no meio de espíritos de energia positivas.
E foi neste ano que a Régis se consolidou ainda mais na minha teia de amigos, nossos espíritos se encontraram como nunca, e a admiração que eu tinha por ela, era coisa louca, uma mulher que merece ser aplaudida em pé, sem exageros, uma guerreira que era mastigada pelo mundo e vencia todos os dias. Eu via a Régis nas aulas de literatura, ela era uma pessoa que chamava a minha atenção, entrava e saía com a mesma velocidade, nunca encontrei ela pelos corredores, era visível que sua vida não girava em torno da universidade. E lá em 2013, quando ela ficou sabendo do meu encontro com Oswaldo, ficou alucinada, e se aproximou de mim, como eu jamais preveria. Nossa conexão só aumentou, e todas as barras que ela aguentou, eu a vi enfrentar com maestria. Foi um dos últimos tesouros que Curitiba me deu, e guardo ela no mesmo baú que todas as outras amigas e amigos que conheci nestes sete anos de Curitiba. Foi um casamento longo com a cidade, e em 2015 a crise do país, junto com as transformações que aconteceram nos nossos espíritos e em nossas vidas, vieram por fim ao período até então, de maior transformação e riqueza pessoal que eu jamais havia imaginado em todas as minhas alucinações de adolescente, e ficções literárias. Vivi um ápice de crescimento humano que eu não saberia contabilizar, só posso desejar que meu filho passe por esse movimento um dia.
Depois que as meninas foram embora do triplex em meados de junho, o movimento dos meus dias acabaram, e agora eu tinha mais espaço e tempo para aprofundar minhas experiências espirituais e artísticas introspectivas. E foi assim, que passei a meditar, compor músicas para o novo gato o Peri, e a escrever novamente poesia. Eu me impus uma rotina, acordava cedo, lia, escrevia, me alongava, pesquisava qualquer coisa. E ouvia as palestras do professor Laercio no youtube. O nível de consciência que eu adquiri como ser espiritual nesse ano, é maravilhoso, nunca tinha estado mais consciente da vida do que nesse ano. E ter essa compreensão acalmou mais ainda as minhas expectativas, e a paciência se tornou meu lema e minha sina. Com as meditações antes do meio dia, consegui ter luzes que me inspiraram muito, e me tornaram ainda mais criativa. Em uma dessas meditações visualizei os meus poemas sendo personificados através de performances no youtube, nunca me passou pela cabeça tal ousadia, mas naquele período minha energia estava a toda, e tudo o que remetia à arte eu seguia e não discutia. Sabia que seria apenas uma memória pra mim mesma pra algum dia de baixa estima, e foi revigorante transformar meus poemas em som, e voz, e corpo e máscara. Era a Musa quem falava, eu nunca tinha interpretado, e foi sem nada que fiz isso. Quando lembro da câmera de celular que gravei aqueles vídeos, vejo quanto ousada fui, não sei se repetiria tal anarquia. Mas estão guardados na memória do youtube, e meu filho e sobrinhos rirão disso um dia, quando eu for velha o suficiente pra achar belo esse gesto impetuoso de expor tudo o que eu não saberia ser, toda a minha arte jamais mencionada, jamais reconhecida. Vai ser revigorante e talvez até inspire os jovens e amigos, dos amigos das nossas crias algum dia. Mas as músicas, vídeos, textos e pensamentos que criei naquele ano, no triplex, nas noites sozinhas em que o Arnoldo ia tocar fora da cidade, e por medo de bandidos invadirem a casa, eu tocava violão a noite toda, na companhia do gato Peri, e embriagada pelo sono construía canções e melodias que saíam de alguma parte de mim que em sã consciência parecia inacessível.
Quando no fim de setembro decidimos voltar pra Corbélia, eu já não amava mais Curitiba, dela me divorciara, e sentia raiva por ter nos expulsado, logo agora, que fazíamos auto-hemoterapia todas as quartas, que a feira do bairro tinha as melhores frutas. Que as tardes de domingo na rua São Francisco ofereciam diversão gratuita. Sim, nós já havíamos decorado os quadros pendurados nas paredes do MON, nossos amigos já faziam parte da nossa rotina, e o mapa de Curitiba estava fotografado nas minhas retinas. Foi com tristeza que me despedi de Curitiba, mas não queria ir pra lugar nenhum, nem pra Europa, Floripa, ou qualquer outra cidade que não fosse Curitiba, só pensava em voltar pra casa, eu precisava entender e assimilar todos aqueles anos na terra dos pinhões. Meu espírito estava esgotado e já desejava um lugar mais calmo, uma vida mais simples, e a humildade que eu ainda não sentia, viria mais cedo do que eu previa, mas com uma imensa dificuldade em ser aceita, eu ainda sentia ansiedades que não controlava, ainda era egoísta, ainda me orgulhava de feitos que eram fatos dados, e dos quais eu pouco compreendia. Enfim, a temporada em Curitiba foi um aglomerado de informações que nenhuma pesquisa no google me traria. Cheguei menina, e voltei mulher adulta. Cheia de histórias, e completa pelos amigos que não se esvaziam jamais da minha mente. Persigo seus passos e comemoro suas vitórias. As páginas que escrevi naqueles anos, ainda as leio com a lágrima e o riso pesando sempre do mesmo lado. Nos últimos passos que dei naquele asfalto tão cinza, tão limpo, eu vi minha sombra e não senti pena do que eu não mais veria, eu sabia que outras páginas seriam escritas, não conhecia o conteúdo, mas sempre soube da efemeridade das coisas e da perda dos significados. Tudo tem fim, menos a memória e o espírito que são eternos mesmo quando julgamos acabados.
2016. O ano em que o Caetano finalmente veio.
Em 2012, fomos num médium famoso em Toledo, que nos disse que havia um menininho esperando pra encarnar no meu ombro direito. Em janeiro de 2016, eu e o Arnoldo estávamos em Corbélia, na casa da minha mãe dando um tempo desde outubro de 2015 quando viemos de Curitiba em uma longa viagem de carro, com um gato, uma horta, passando por Floripa e chegando em fim no velho oeste paranaense. Fizemos vários planos, e quando chegamos decidimos que o Arnoldo iria descansar por um tempo e eu depois de janeiro iria atrás de um trabalho. Mas 05 de janeiro transamos sem camisinha no meu período fértil, então, depois de três semanas minha menstruação não veio, e uma semana depois enquanto o Arnoldo fazia uma viagem rápida com meu pai até paranaguá, eu a mando de minha mãe fiz um exame de anemia e outro de gravidez, segundo ela, só um destes dois fenômenos poderiam justificar a minha leseira, eu dizia que era só o calor cozinhando meu corpo, e eis que nesta semana fui entregar currículo em Cascavel nas escolas, no último colégio, o ideal, eu fui chamada para a entrevista, na sexta-feira desta semana, não me recordo o porquê, mas todas as pessoas da minha família se encontravam na casa da minha mãe, às cinco horas minha irmã chegou com o exame, eu abri, quase desfaleci, o Arnoldo só ria, e eu amarela de medo, de insegurança, de descontentamento, e alegria, e euforia, sentei e falei, agora só me falta o emprego. Às cinco e meia da tarde me ligam do ideal dizendo que eu havia conseguido a vaga para professora de espanhol, a qual eu recusei na outra semana quando descobri o valor das aulas que mal pagariam as despesas de ida e volta e alimento. Decidimos então que o Arnoldo iria trabalhar e eu ficaria novamente em casa, agora gestando. gerando a vida dentro de mim na maior tranquilidade possível. E essa foi a revolução com a qual nós não contávamos em nossa vida, não neste momento, fosse dois anos antes, tudo estaria perfeito. Plano de saúde, instalação do bebê, estabilidade financeira, e todas as condições para o sonhado parto humanizado em Curitiba. Mas éramos recém chegados no velho oeste, completamente desavisados do tempo que aqui havia parado. Tudo parecia precário e descompensado. A comida era pavorosa, tudo muito doce, tudo muito salgado. Os vegetais frescos cheiravam agrotóxicos, e o sabor era indecifrável, as ruas eras sujas da poeira acumulada, e da terra vermelha que macha todos os móveis e sapatos. Somado à isso, meus hormônios me enlouqueceram, me desequilibraram como na puberdade, foi o ano em que voltei a me sentir como na adolescência, vivendo em uma cidade sem esperanças, sem perspectivas e com os sentimentos completamente instáveis. A superfície de tudo me parecia impuro, mas eu sabia que era exatamente ali que eu deveria estar naquele momento, sempre planejei ter meus filhos no interior, sempre desejei que tivessem a infância segura e livre que eu tive, assim como a proximidade física com os amigos do bairro. E agora, não havia nada mais que eu queria nesta vida do que ter meu filho ao lado da minha família. E todas as regalias da cidade grande foram sendo esquecidas através do amor da família. Mas tudo fez sentido, todas as privações eram superadas facilmente com a minha florzinha, a Laura. Nós nos amamos intensamente todos os dias durante um ano e alguns meses. Nossa relação vêm de tempos, e todas as manhãs quando aquele ser tão pequenininho chegava na nossa casa, meu peito se derretia e o sono perdia vez. Os dias eram só dela, meu tempo era o seu tempo. Aquele voz tão meiga e desgovernada me acalentavam, e despertavam o Caê de seu templo. Um amor desses, que nos torna cegos, e monopolizados todo o tempo é difícil de ser superado, só o amor de mãe pra equilibrar em seu peito tantos amores ao mesmo tempo. Com a Laura fui aprendendo a ser mãe e tia, e pude realizar meu sonho de transmitir todo a minha teoria materna a ela. Nós duas gestamos o Caê, ela o amou desde o começo. E nós vivemos com intensidade esses noves meses numa casa grande, ensolarada de madeira, com frutas no terreiro e gatos por todos os lados. Foi um inverno passado ao redor do fogão à lenha, com leite direto da vaca e mandioca colhida na horta. Os dias eram tranquilos e esparsos. O único som noturno era o dos meus chinelos no assoalho que, faziam ranger toda a casa com o peso do meu corpo esférico e lento deixando rastros. A gestação foi me acalmando de uma forma que ao final meu equilíbrio já estava restaurado. E no dia sete de setembro a bolsa rompeu, e eu não fiquei em choque nem histérica, apenas continuei com os mesmos lentos passos, até a madrugada, quando fui ao posto, e então transferida para Cascavel. O Caê veio a nascer no dia 08 de setembro no fim do turno de um ótimo médico. Foi cesárea, muito bem conduzida e justificada com a incapacidade do meu colo dilatar mesmo com ajuda da ciência médica. Foi lindo, o Arnoldo corria pela sala cirúrgica segurando o Caê nos braços com o sorriso mais largo e me pedia pra cantar o leãozinho, e eu mal conseguia manter os olhos abertos pra enxergar o filho que coloquei no mundo. Desde esse dia nunca mais dormi uma noite inteira, e os anos foram medidos entre uma mamada e outra, entre uma papinha e outra, os dias não são mais os mesmos, nem o tempo. Levei dois dias pra conseguir conceber esse texto, porque os intervalos são poucos, e a atenção pra ele bastante. Não ouso corrigir esse texto, tudo nele vai ficar imperfeito como a nossa vida parece ser. Confuso, cheio de tropeços, mas com um sentido maior para tudo.
O ano de 2017 foi de transformação novamente. Eu me reinventei, agora mãe, agora mais forte e mais objetiva, sem muitos pretextos, sem muita paciência para nada que não seja o bem estar do meu primogênito. Os motivos do mundo são mesquinhos e intrigueiros, não contamino mais minha vida com nada que não seja feito de luz e amor. Todas as políticas do mundo são feitas através do ego, todas as decisões do mundo são tomadas por homens que só conhecem a mesma arma, eles desconhecem totalmente a razão da alma. Eu não aconselho ninguém, porque minhas palavras são secas e diretas, elas não agradam e nem fazem casa onde o ego se mantém. O ano de 2017 passou entre dificuldades enormes nesse meu aprendizado diário que é ser mãe, porque é algo do qual não me dissocio facilmente, é um título que ninguém mais quer carregar, é uma responsabilidade que dói, cansa, e priva dos maiores confortos terrenos. Ser mãe me trouxe para um lugar onde não há luxúria, egoísmo, nem vaidades. Assim como o amor que eu tinha pelo Chicó se estendeu por todos os seres do reino dévico, o Amor que eu sinto pelo Caê se expandiu por todas as crianças do mundo. E agora nada mais importa, todas as ideologias e filosofias que não visem o bem estar destes espíritos frágeis e dependentes de nós seres adultos e capazes, me importa. A humildade eu só vim conhecer agora. E humildade eu entendo pela incapacidade de criticar qualquer forma de vida, incapacidade de culpar o outro, de questionar os motivos alheios, de identificar o que o outro faz como não sendo direito. Eu sei o que eu não sei do mundo, e isso já me basta. Hoje aos 27 anos, em 2018, após dez anos de estrada, eu posso dizer que como ser humano estou evoluindo dentro das minhas possibilidades, eu reconheço os meus fracassos sem dor, eu vejo o meu presente e o meu futuro sem medo. Já tenho ideais que se cristalizaram em minha compreensão de mundo e só mudarão quando eu for capaz de enxergar as coisas que ainda não vejo, com meus próprios olhos, ou melhor, com todos os meus olhos. Eu sou imensamente grata pela trajetória que escolhi, por todas as passagens até aqui, da minha capacidade de discernir e perdoar, eu sou grata pelas pessoas que me acolhem em seus corações e me leem como eu realmente sou. Sou grata pela minha família que me ama mesmo não me conhecendo como eu gostaria, que compreende pouco os meus desejos, mas me apoia e não interfere neles, e porque foram eles que me ensinaram a amar todas as vezes que me dão amor, e me recebem em seus lares com um sorriso que muitas famílias desconhecem. Eu sou grata por nesses 27 anos nunca ter passado pela fome, pela doença, por dificuldades que não conseguem ser superadas. Eu agradeço pelo avanço da tecnologia e suas facilidades. Eu sou grata pelos professores que amam, porque sem isso, o sistema de ensino morre. Eu sou grata ao Arnoldo que me acompanhou esses últimos dez anos da minha vida, e fez dela o mais agradável possível, mesmo que pra ele o sacrifício não fosse leve. E agradeço por tê-lo transformado inteiramente assim como ele me transformou.
Hoje somos uma família cheia de amor, filosofia, histórias incríveis, espiritualizada e sem religião.
O que eu deixei para depois dos 27 é um sonho grande de ver o mundo despertar e trabalhar ferozmente para acordar quantos espíritos eu puder sem imposições. E deixei sonhos pequenos, realizáveis com um pouco de trabalho físico e intelectual.
Eu nunca pensei que escreveria um texto da minha vida sem sentir dor, sem sofrer, e o que me surpreendeu nesse processo foi exatamente isso, esse balanço me mostrou que a forma como eu lembro da minha vida é extremamente feliz e cheio de boas energias.
Esse texto era para ter sido acabado ontem, no meu aniversário, mas ficou pra hoje e só consegui concluí-lo porque meu marido está em casa e deu conta de tudo sozinho. São quinze horas de escrita contínua. Não tenho pique para corrigi-lo. conforme o tempo for passando, eu vou revisando e recuperando algumas coisas esquecidas.
Vozes desde 2016 até hoje: Bita, onça felinda, palavra cantada, turminha paraíso, canções da fazenda, Céu, Alceu Valença, Francisco el hombre, Bethânia, e por aí vai.
Obrigada aos que chegaram até aqui. Não é um poema, é a história dos últimos dez anos da minha vida. Tentei ser o menos prolixa possível, imaginem, caber tantos anos em duas páginas apenas, é de cortar muita história fora.
Bem, tenham uma boa vida, e espero que tenham forças para fazer um balanço de seus idos queridos também, daqui dez anos escreverei um novo balanço e então terei duas décadas de registro para os meus já então jovens sobrinhos e filho se deleitarem ao conhecer, a pessoa que eu fui, sou e serei.
Bisous.
Juliana da Silva. 27 de abril de 2018.