segunda-feira, 7 de maio de 2018

L'hiver

Bonjour aos leitores e amigos da vida e do blog. Um poema cheio de imagens comuns e aconchegos no imaginário.
Sou fã do inverno, desde os primórdios, e isto é em mim, irremediável. Admiro o equilíbrio das estações do ano no espírito, o qual precisa de muitas influências externas para compreender o seu próprio estado. A filosofia oriental chinesa fala abertamente sobre isso, sobre nos adequarmos e não relutarmos com casa estação do ano. E a beleza do mundo são as suas diferenças. Amar cada dia,  cada clima com suas peculiaridades, e procurar entender e se integrar da forma mais harmônica possível e respeitosa, evita muitos conflitos no corpo físico e espiritual. O recolhimento do inverno é tão essencial quanto à extroversão do verão. Quando agimos da mesma maneira, e exigimos do nosso corpo e do nosso intelecto, as mesmas coisas durante os diferentes períodos climáticos do ano, desrespeitamos o acordo firmado entre espírito e corpo, e então temos de lidar com todas as doenças e desequilíbrios o ano inteiro. 
Não precisa amar como eu, mas aprenda a respeitar as diferentes estações que o nosso lindo planeta fornece ao nosso ambiente, e tente sintonizar com o que o seu espírito precisa em cada determinado tempo. 
Eu sofro, com cada atraso do frio outonal, e com os desequilíbrios que o nosso modo de vida não sustentável vem causando no planeta. Espero que tenhamos um inverno intenso e equilibrado, para que a primavera e o verão sejam tranquilos e os insetos controlados.

Tenham uma boa leitura.
Abraços e muitos beijos.

É FATO.

Que meu humor melhora com o inverno.
Meus poros se contraem e minha pele rejuvenesce.
Meus olhos clareiam no gris do céu.
E o vento gelado me faz pensar de forma aguçada.
A música francesa aveludada vira hit no meu som.
E as roupas de lã me afagam.
Os meus poemas saem com maior deleite.
O caldo quente de todas as noites
O vapor do chuveiro, gratificante.
Os nossos corpos na cama, apertados.
Chocolate quente.
Cachecóis.
Meias felpudas.
A pele seca.
Algum resfriado.
As blusas grandes,
o livro aberto na poltrona.
O ar limpo qual cristal.
O horizonte nítido.
As texturas sobrepostas em tons de peles descobertas arrepiadas.

Ah, o inverno.
Me aproxima de Paris.
Me afasta dos trópicos.
Reconquista outros espaços.
Funda em mim outra nação.
Outro idioma.
Outros colapsos.

As ruas silenciosas.
As pessoas mais receosas.
O reflexo da luz no asfalto molhado.
A introspecção.
O resguardo.
O chá quente.
O sangue congelado.


O som mais abafado.
As portas e janelas fechadas.
Eu encerrada em meu quarto.
As cobertas acumuladas, enroladas, amontoadas.
O contato com o sanitário gelado.

Ah, o frio.
Não há nada que eu possa fazer, amo o ar gelado.
O sol acabrunhado,
os insetos encavernados.
O sono das crianças prolongados.
O aconchego ao redor do fogo que queima todos os pensamentos.
O silêncio.
O silêncio.
O silêncio.
Quebrado pelas gotas de chuva que ao contrário das lágrimas descem frias e não alcançam meu coração.

O inverno é o recolhimento d'alma.
E não há culpa no desfrute desse aconchego.
Que acabe com o sofrimento dos moribundos nas ruas encharcadas.

Não me queixo.
Aqueço os pés com água quente
e bebo chá de alho quando necessário.
A poesia está além dos muros congelados.
Ela está dentro de mim,
E comigo eu sei o que faço.


Juliana S. Müller.

terça-feira, 1 de maio de 2018

Retrospectiva dos meus últimos 10 anos de vida. Parte 1

Bom dia leitores e amigos queridos, resolvi fazer um balanço da minha vida desde os meus 17 anos quando tudo mudou para mim, até os meus 27 anos que felizmente completei ontem, dia 26 de abril. É um texto longo, ora poix, é um pouco de cada ano desses dez últimos que formaram esse ser estranho e maravilhoso que sou hoje. É leitura para dias, não se avexe, leia como se fosse um livro, tranquilamente e sem a euforia da poesia.
Beijos e boa leitura.


Bom dia Ondas, hoje é o meu 27º  aniversário, já tenho quase três décadas de existência na Terra, e mais do que qualquer outra idade, eu desejei muito chegar aos 27 anos. É como se no meu mais primitivo instinto, eu intuísse que esse seria o fim de um ciclo em minha vida. O fim de uma década fantástica, a qual eu pude realizar numerosos sonhos/desejos e viver intensamente a minha juventude sem desequilíbrios, sem arrependimentos, com aventuras e amigos que se instalaram dentro das minhas células, e fazem parte do meu DNA.
Eu já escrevi esse texto na minha cabeça hoje inúmeras vezes, enquanto lavava a louça, lia as mensagens de parabéns, notícias do dia, e agora estou tão zen que mal consigo organizar a teia das ideias e memórias.

2007. Ano decisivo. Conheci o Arnoldo, primeiro homem digno de amor, esperava por ele há algum tempo.
2008. A página que escrevi com muito cuidado, desejei todos os dias o mesmo destino. E ao cabo deste ano entrei pra Universidade. Era a única Universidade em qual eu queria estar, foi o único vestibular que eu prestei na minha vida. Nunca gostei de testes, era apenas corajosa e tinha auto-estima.
2009. Tudo mudou. A vida recomeçou em Curitiba, cidade que eu escolhi com o coração e um sentimento que não explico, é apenas sintonia, a cultura, as pessoas, o clima, tudo era apaixonante, tudo tinha música, tudo era poesia.
Aos 17 anos dei o passo que me levou ao maior sonho dos últimos anos da minha adolescência, entrar pra UFPR. E só percebi o quanto nova eu era, quando olhava para as minhas mais novas amigas, e sabia, éramos ainda embriões naquele Castelo cheio de doutores que tinham o dobro da nossa vida. Só quando percebi nos nossos rostos lisos, e corações sem feridas, é que me dei conta do quanto destoante éramos naquele cenário, em que víamos pessoas tão adultas e instruídas se movendo com a leveza de quem domina o mundo todo, e não teme novos rostos, novas subidas. Eu temi, me senti completamente cega, mal instruída, sentia que não dominava o ambiente ao qual eu recém pertencia, mas aquilo era amedrontador e instigante, e eu senti na pele o choque cultural, e a maturidade, a secura das bocas, a arrogância dos sábios. Mas isso só alimentou meu imaginário, e me fez compor poemas melancólicos e eufóricos, tudo dependia de como ia o dia.
Passei o primeiro ano olhando os prédios, visitando com minha mente bares, danceterias, museus, conhecendo ruas, decorando os nomes de todas as pessoas influentes da cidade, todos os artistas contemporâneos. Fui descobrindo o quão ignorante eu era do mundo. Devorei álbuns de música que nunca ouvira, conheci pessoas com alto grau de filosofia, e me ative a reconhecer que o mundo era grande e eu estava muitos passos atrás da maioria das pessoas que eu conhecia. Minha cultura era limitada, para não dizer comezinha. Mas eu tinha auto-estima e era mais curiosa do que corajosa. O ano de 2009 foi o ano em que tive que atualizar meu download, nada restou do velho programa intelectual. Tive que criar arquivos com os quais nunca me deparara antes. Foi o ano em que reconstruí minha biblioteca intelectual e redesenhei o mapa da nova cidade pela qual eu me movia agora. Assim como ampliei as fronteiras físicas da cidade em que eu vivia, ampliei as fronteiras do meu conhecimento, eu me reinventava, eu me reconstruía.

Vozes: Chico Buarque, Adriana calcanhoto, Tiê e Ana cañas, Zeca Baleiro.

2010. Ano em que mudamos para o apartamento no centro de Curitiba. Realizei meu sonho, morar no centro de uma grande cidade. Agora eu estava instalada fisicamente onde eu desejava, e caminhava todos os dias para a Universidade, sentindo o frio de todas as manhãs no rosto, e o calor do sol à pino ao meio dia na volta das aulas. Olhava todas aquelas casas com antigas estruturas e muitas histórias, os prédios com tantas famílias, o mercadinho, a padaria, a revistaria. Tudo estava ao meu alcance, eu morava no centro do mundo e isso fazia toda a diferença naqueles dias.
Esse ano estabeleci os laços com as mulheres que estariam comigo até os últimos anos das aulas de letras na universidade. Aline, Carol e Wellen, formamos um quarteto, e desse quarteto guardo muitas histórias, e as experiências universitárias mais clichês, como os primeiros porres das amigas, os primeiros namoros, as fofocas sobre o mundo acadêmico, a independência ainda vacilante, as teorias sobre a vida ainda encubadas, os medos, as inseguranças pela pouca idade, o pouco conhecimento, e a certeza da hierarquia.
Guardo todas no meu coração, todas foram e são importantes na minha história, ainda mantemos as mesmas indiscrições, e tenho certeza que quando nos reunirmos novamente, nossos olhos recordarão as mesmas faces juvenis e incertas daqueles dias.

2010, foi o ano em que a minha figura como menina começava a cair e uma nova mulher surgia. E foi nesse momento que a Adri apareceu na porta da minha casa me convidando erroneamente para ser sua modelo fotográfica por um dia. Nossos destinos estavam traçados, não tinha jeito. Ela foi atrás de uma amiga que ela vira pela janela do meu ap. que estava de visita, e se obrigou a fingir que era eu mesma quem ela procurava, quando percebeu que eu era a única loira daquele ap. 304. Descobri o engano um ano depois, mas nossa amizade já estava consolidada, e os corações já tinham cimentado, não dava para rever aquele maravilhoso engano. A Adri me transformou em Alice por um dia e eu colhi os frutos daquele dia por anos. Aquelas fotos de Alice foram iscas para pessoas maravilhosas entrarem na minha vida.
Além de me transformar em Alice, a Adri me repaginou, trouxe a minha vaidade de volta, porque coitada da vaidade, estava escondida através de páginas e páginas de livros e apostilas. E foi através dela, da manauense mais divertida do Brasil, que eu tive a minha figura repaginada. Me senti viva por dentro e por fora, e a mulher que nasceu dali foi algo milagroso e revolucionou o meu ego. Esse foi o ano em que matei todas as vergonhas de me sentir mulher, e assumi a fêmea que sou, com todas as consequências e responsabilidades que isso abarca.

Na Universidade já havia me inserido e adaptado, os professores já pareciam mais amigáveis, e os códigos decifrados. Agora os bares já se abriam pra mim, assim como os shows de artistas que eu jamais imaginava assistir ao vivo, tudo era extremamente novo e intenso. Mas com toda certeza, fui a jovem mais sensata da minha época. Qualquer jovem interiorana na minha idade cometeria exageros, eu não me sentia mais atraída pelos extremos do mundo, tinha um homem adulto ao meu lado, e muita ânsia em desbravar o mundo, conhecer todos os nomes que nunca tinha ouvido, todos os escritores que nunca lera, escrever para concursos literários, seduzir o mundo para o meu itinerário. Eu já sentia a vontade de saborear o mundo, toda a adolescência tinha ficado no ano passado, e parecia que dez anos tinham se passado, desde o dia que deixei Corbélia. Eu era outra, o mundo era o mesmo, meu espírito convulsionava de alegria, todos os dias eram dias felizes, e assim foram todos os anos em que vivi em Curitiba.

vozes: Tulipa Ruiz, O teatro mágico,

2011. Ano em que eu dava conta de sete matérias ao mesmo tempo em que trabalhava na biblioteca da universidade, e não carecia comparecer todos os dias nas aulas. 2011, foi o ano em que obtive total controle sobre as minhas capacidades intelectuais e literárias. Foi quando o meu cérebro completamente voltado para as ciências exatas, se habituou com o mundo abstrato das letras e suas teorias. Foi também quando cheguei ao meu ápice intelectual acadêmico, que descobri que todo o esforço dos últimos dois anos me igualara a todos os alunos geniais. E foi quando vi todos os noves que buscava. E foi o ano em que comecei a participar intensamente da vida cultural curitibana, a desvendar os lugares, a descortinar a cidade que até então parecia se esconder de mim. Foi um caminho sem volta. Me embriaguei de toda a poesia leminskiana, das bandas locais, dos poetas, atores, dos eventos gratuitos, dos festivais, e de toda a comida sofisticada que ainda não conhecia.
Tudo o que eu vivia, sentia, virava poema. Tudo na minha rotina era exatamente como eu imaginava, era realmente verdade. As aulas de literatura, as ruas brancas, o céu laranja, a multidão desconhecida, o frio das tardes, a apartamento aconchegante e apertado. Os amigos que se uniam ao meu mundo, tudo isso era mágico, era exatamente o que eu tinha almejado até ali.

Neste ano o Arnoldo e eu nos comprometemos a ir em todos os shows que passassem pela cidade, e que fossem do nosso interesse. Não sei quantos artistas da minha lista consegui ver naquele ano, mas quase todos os meses fomos em algum show. Foi o ano em que eu saí do país pela primeira vez. Fomos para Buenos Aires, era um dos meus desejos, falar o espanhol em um país em que a língua fosse nativa. Foi a única viagem que fizemos juntos atravessando as fronteiras brasileiras, foi memorável, vivemos 15 dias na argentina como um argentino. Andamos pelas ruas, mais do que nossas pernas pudessem aguentar, e eu conheci um dos homens mais generosos e geniais da minha existência. O Dámaso, que ser humano especial. Só consigo ver sorriso naquele rosto, aquele sotaque, aquele idioma, aquele coração maior do que todas as fronteiras do Brasil. Que pessoa rara. Dámaso é baterista, e mais do que isso, é um argentino com um pé no Brasil e outro em sua terra natal. Criador de métodos próprios, compositor e difusor do amor pelo mundo.

Em 2011, me dediquei aos concursos literários, ao violão, e ao som do vinil.
Descobri a minha capacidade de ser artista no mundo, de atuar na sociedade, de criar personagens adequadas a cada situação cotidiana. Foi um ano de felicidades, de paixões literárias, de liberdade incondicional. De Grande sertão: Veredas. De plenitude da alma. Foi nesse ano que reconheci a Mel. A Mel é um ser de luz vindo direto das estrelas pra ajudar na evolução deste planeta, ela se aproximou de mim exatamente por isso. Nossa história é longa, mas se resume em Amor, reconhecimento espiritual e ideológico, reciprocidade, respeito e admiração. A Mel reconheceu em mim a mesma grandeza que eu reconheci nela, a pluralidade do espírito artista, e a mente expandida. Eu poderia enumerar todos os fatores importantes que nos une, mas basta dizer que foi através das fotos de Alice no país das Maravilhas, feitas a convite da Adri em 2010, que nós nos aproximamos. É por isso que a arte é a espinha dorsal da minha vida. Todas as pessoas que eu conheci nestes últimos dez anos da minha vida, foram por causa da arte. Foi também em 2011 que conheci a Isa, outra grande amiga das estrelas, de uma beleza sem igual. Uma alma meiga de bondade celestial, a qual só viria com tudo em 2012 pra ficar eternamente na minha história transcendental.
Foi com essas duas queridas que fiz o ensaio fotográfico mais fodástico de todos os tempos, foi o registro mais querido de um dia inesquecível e inigualável, de luxo, glamour e arte reconhecida. Neste doce novembro selamos nossas vidas para a eternidade.

vozes: Caetano  Veloso, Tom zé, Arnaldo Antunes.

2012. Esse ano começou esquisito.
Mas havia a oficina de música, e meu desejo de beber de tudo o que a cidade podia me oferecer e me alterar. Conheci a Alice Ruiz pessoalmente, que Mulher, que Artista.
Comecei a andar sozinha pelos museus, e eventos quase nunca frequentados durante os dias da semana. Já havia estabelecido os lugares que gostava de frequentar, o fingen, o mafalda, um café perto de casa, e a videolocadora. Me descobri cinéfila, e a toca dos cinéfilos. Ano em que a Universidade perdeu seu brilho, as aulas de literatura se tornaram repetitivas, as teorias não evoluiam, enquanto meu pensamento voava, tudo o que deglutira até agora do mundo das artes, estava sendo digerido à pleno vapor. Mas foi o ano em que conheci Saramago, e foi o meu maior amor em prosa literária. Agora eu tinha dois guias, um português e outro brasileiro, Guimarães Rosa e José Saramago se tornaram meus mestres, assim como ao final deste ano Drummond e Pessoa serias meus mestres na vida e na poesia. Então, pode-se dizer que 2012, foi o fim de um ciclo pra mim, e o começo de outro. Foi um ano de estabelecimentos, de fin de époque. Minha inserção ao idioma francês depois de conhecer François Truffaut e a nouvelle vague, e a total identificação com a arte francesa. Tenho completo amor ao estudo de um novo idioma, emergir na cultura, na filosofia de vida, e descobrir que a língua é mais do que a forma como um ser se comunica ao outro, a língua é a forma como um povo vive a sua filosofia de vida. Nesse ano descobri novos amores literários, linguísticos, cinematográficos, musicais. Hoje olhando para este ano, vejo que os meus gostos foram estabelecidos exatamente neste ano, meus ídolos desde então foram imutáveis.
Em 2012 houve uma das greves mais longas na UFPR, duraram quatro longos meses. Então eu tive tempo de sentir muita coisa, conhecer tantas outras, e passar o inverno embaixo das cobertas, ouvindo Elis Regina no vinil, Caetano, Milton, Macalé. Assistindo todos os filmes do telecine cult e tomando capuccino três corações.
2012 foi um bicho de sete cabeças, de turbilhões de emoções. Setembro quando voltaram as aulas conheci Fernando Pessoa de verdade. E nesse setembro tudo estava pesado, meu espírito sentia mudanças, assim como o Arnoldo. Estávamos sentindo uma dor que não era nossa. Então pela primeira vez o poema do Drummond fez sentido pra mim. Sentimento do mundo. Era isso, aquela dor não era nossa, mas sentíamos todo o peso dela, e durante uma aula com a professora Patrícia, em que ela lia um poema do heterônimo do Fernando Pessoa, Alberto Caeiro do livro "O guardador de rebanhos", aquele poema que eu acompanhava com os olhos em lágrimas, com a cabeça baixa para que ninguém percebesse as lágrimas que escorriam em mim, foi quando eu levantei a cabeça e vi que a professora também chorava com o mesmo sentimento que eu. Naquele poema eu fui capaz de renascer, de redescobrir o Jesus, e foi ali, que minha espiritualidade reacendeu dentro de mim. Meu espírito acordou.

Em outubro deste ano tive um encontro com o poeta F.K., conheci ele no lançamento de sua tradução do Bukowiski. Ali naquele fim de outubro, tive certeza que encontrara o meu parceiro literário, o poeta que seria meu parceiro de poesia pra toda vida. Escrevi-lhe um poema convite, ele aceitou, e em quarenta dias, havíamos escrito um belo e robusto livro de poesias trocadas. Uma conversa entre uma Musa e um poeta. Foi uma experiência intensa, de vaidade, egos, muita poesia, e sentimentos complexos. Havia ainda aquele sentimento de mundo, e havia a personagem da Musa me tomando todo o tempo, e em alguns momentos mal conseguia conduzir os dois sentimentos dentro dos versos, e muito menos dentro de mim.

Já no fim deste ano intuí que meu parceiro de versos não duraria mais do que a passagem de um cometa demora para se deteriorar na atmosfera terrestre. Foi uma pena, as nossas poesias transam com a espontaneidade com que a gente respira. Mas é de reconhecimento humano que alguns espíritos são fortes, outros perecem. São sensíveis, frágeis, e não são culpados da vulnerabilidade com a qual conduzem suas vidas.
Esse ano não acabou com o mundo, mas o mundo nunca mais seria o mesmo desde então, e eu sentia isso vivamente em todas as células do meu corpo.

vozes: Elis Regina, Caetano Veloso, Ana Cañas, Novos Baianos, Violeta Parra.

2013. A grande depressão brasileira para mim aconteceu ali, neste ano em que Curitiba teve apenas 48 dias de sol, menos do que a capital inglesa. Eu comecei imersa em sentimentos tensos, com a universidade se restabelecendo da greve, com uma ressaca poética depois de ter quase uma overdose de versos com o poeta no fim do ano passado, mal tinha forças para manter o Blog que comecei antes de ver o fim da nossa parceria ruir.
Na minha vida acadêmica havia a monografia pra escrever, um orientador em total relapso, e minhas ambições do projeto de conclusão de curso indo por água abaixo. Precisei mudar de projeto, quando um professor me libertou das minhas apreensões em que eu me encontrava, ao me ver completamente abandonada com um projeto ambicioso nas mãos, esse professor que tem nome de santo, apenas falou, VÁ SER FELIZ NA VIDA JULIANA, e eu fui. Abandonei o projeto que eu tanto desejava realizar e me joguei no que eu já sabia fazer, analisar a obra do meu amado Saramago. Antonio tirou uma pedra de cima do meu coração. E em poucos meses escrevi sessenta e sete páginas do trabalho de conclusão de curso, sozinha, completamente negligenciada pelo meu orientador que passava por confusão mental naquele ano, com a alegria de quem escreve poemas. Eu fui sabotada na minha pesquisa, e isso foi frustrante, é preciso que esteja claro que eu não inocento o orientador do meu projeto, o problema dele comigo se tornou pessoal a partir do momento em que lhe recusei seus elogios nada acadêmicos, e convites nada profissionais. Isso me abalou, mas o que mais me enlouquecer e frustrou neste processo todo foi, descobrir que todo o empenho em que eu tive em aprender a pensar durante todos aqueles anos na Universidade jamais poderiam ser utilizados sem alguém com nome pra validar o que eu pensava. Essa falta de autonomia me sabotou mais do que tudo. Era desumano toda essa situação, e 2013 foi um marco do que eu faria da minha vida a seguir.
Houveram coisas muito fortes nesse recomeço de ciclo. Conheci um ídolo pela primeira vez de pertinho. Oswaldo Montenegro é um homem completamente alucinado, ele alucina como eu, não tem medo de nada, nem de gente, nem de bicho, nem de espírito desencarnado. E ele me revelou isso tudo na mesa do seu hotel, enquanto fumava charuto e bebia coca light, e eu bebia vinho como se estivesse com qualquer amigo, sem cerimônias, sem diferenças, sem fotos. Conversamos por horas a fio, e guardei uma frase que sempre repito quando estou em dúvidas com meus fracassos, VOCÊ É ESPECIAL MENINA, VOCÊ É DIFERENTE, e explicou o porquê disso, mas eu não me recordo agora, mas escrevi em algum lugar do meu diário, ao lado do número do telefone celular do Oswaldo. E esse é o maior esnobismo que guardo até os dias de hoje no meu livro das vaidades.
Em 2013 também realizei um desejo, participar de um protesto com milhares de pessoas na rua, lutando pela democracia. Foi interessante, nos dias em que participei me senti viva, ativa, capaz com o coro de vozes sem bandeira que pediam por "redemocracia". Foi também o ano em que Jak e a Régis entraram com tudo na minha vida. Portanto é um ano pra se recordar com a mesma relevância que todos os outros.

Foi o auge da minha beleza externa, e esse registro eu e minha alma amiga Mel fizemos através das lentes do fotógrafo do meu coração Cadu. Nós fizemos no fim do ano um ensaio pra finalizar a trilogia de ensaios fotográficos que marcaram esses períodos tão intensos das nossas vidas. E depois deste ensaio que finalizou o meu período da minha vaidade feminina, e extroversão, para dar início no próximo ano, a um período de introspecção que durariam quase 4 anos inteiros.
Fizemos um ensaio como todos os outros, a Mel alugou um quarto de hotel, nos hospedamos lá, contratamos a maquiadora mais competente e talentosa que eu conheci, a Camila, e então fotografamos durante uma tarde e noite inteira, causando histeria nos funcionários do hotel, que nunca sabiam se éramos meros mortais ou artistas desconhecidas. Eu particularmente acho que somos os dois. Esse ensaio foi muito significativo pra mim, primeiro porque a Mel me deu ele, foi o tema que eu escolhi, pin ups francesas, já que eu estava imersa no universo francês, e nosso primeiro ensaio foi com a temática pin up. Nesse ensaio eu consigo ver a beleza que tanto atordoou todos os homens que cruzaram o meu caminho neste ano, e posso ver também a melancolia nos meus olhos, de quem já começava a recusar toda essa euforia exibicionista do mundo das vaidades físicas e egoicas.
Foi um lindo ano, denso, trevoso, chuvoso, confuso, mas foi pra mim a morte definitiva de alguém que eu amei ser, mas que não cabia mais neste novo ciclo planetário, nem dentro do meu eterno ser.

vozes: Criolo, Caetano Veloso, Oswaldo Montenegro, Gal Costa, Mercedes Sosa, Chavela Vargas, Carla Bruni, Zaz, Edith Piaf, Charles Trenet.

2014. Eu estava mais leve, já começava a avançar na espiritualidade e a destoar dos antigos desejos da vida material. Tive a minha primeira experiência no Psicodália, um evento que desde 2009, quando cheguei em Curitiba eu desejava ir. A música e a liberdade do festival, exorcizaram todos os demônios do ano anterior. Eu me reconectei ao meu eu divino, foi quando senti pela primeira vez em comunidade o sentimento que eu buscava no mundo. A liberdade, o respeito, o amor, a simplicidade, a humildade e logicamente a ARTE.  Quando voltei daquela chácara, descobri como eu não queria mais viver. E logo conheci através de uma página do facebook um ser tão iluminado e compactuante com o que eu já há algum tempo sentia, experimentava e filosofava, que só pude me esclarecer e agradecer ainda mais o encontro com aquele homem que o cosmos e meus guias me proporcionaram. Laercio Fonseca apareceu na minha vida em um momento em que eu, já havia descoberto a falência do sistema de educação tanto de base, mas principalmente o universitário, em que eu já havia constatado a cilada que era o ego, e a guerra que os seres aqui na terra se propunham em busca de alimentá-lo. O professor Laercio, não podia aparecer nem antes, nem depois, ele tinha que me encontrar naquele momento, e um dia eu poderei agradecê-lo pessoalmente toda a abertura que ele trouxe para a minha compreensão da existência.
A partir deste ano, toda a minha poesia, todo o meu vocabulário mudará, porque o foco da minha vida também muda. Eu senti que precisava me livrar de um símbolo reconhecidamente erótico que são os cabelos, e decidi cortar o mais curto que eu poderia suportar e doá-lo, transformando um símbolo de luxúria, em um símbolo de caridade. E foi reconfortante quando caminhei pela primeira vez em anos nas ruas de Curitiba e os olhos dos homens não se voltavam mais pra mim. Eu havia renunciado ao mundo que até então me fizera existir. Foi um esgotamento muito grande de inúmeros assédios, que me levaram a essa ressaca da beleza estereotipada. Foi libertador passar invisível pelas multidões, mas eu também me senti completamente desprotegida, é como se todos pudessem agora ver a minh'alma, foi invasivo de outra forma, eu tinha retirado a minha máscara, e ainda não sabia como me proteger das coisas que nos assombram na outra dimensão do ser.

Mas antes de entrar na minha evolução espiritual, vou finalizar a minha vida acadêmica.
Em 2014, eu já havia apresentado minha monografia no natal no ano passado. E com a conclusão da banca, eu pude concluir a minha apreensão com meu orientador, e descobri que ele tinha realmente ferrado comigo. E tudo o que ele disse quando meu professor com nome de santo o inquiriu,  de qual havia sido o problema, ele apenas respondeu, faltou tempo. eu fiquei um ano e meio em função disso, e sabia que o problema não fora o tempo, mas já não me importava mais, a forma como as universidades conduzem as pesquisas dos universitários era uma vergonha, e eu já não alimentava mais ilusões. Apenas concordei, meu professor sabia da minha competência, eu e ele nos tornamos grandes amigos, e ele sabia das falhas do orientador do meu projeto. Então em 2014, quando todos esses escombros já haviam sido ejetados, eu pude curtir o último semestre que restara dos meus cinco anos e meio do curso de letras. Nesse semestre eu pude escolher as matérias que desejasse, e fiz boas escolhas, uma em especial com a professora Renata. Uma carioca que instigou em mim a capacidade de pensar e analisar a literatura e a teoria literária como eu gostava de fazer. Ela me alçou aos vôos mais altos da minha intelectualidade, e eu saí da Universidade sabendo exatamente quem eu era, e de como não poderia continuar na teia acadêmica, de intrigas, e submissões à hierarquias desmerecidas, que apenas matavam o que havia de mais brilhante em mim, o raciocínio, a criação.
Foi assim que no meio de 2014 me despedi do mundo acadêmico com a certeza de que eu não poderia continuar nesse sistema falido e arrogante, sem antes me reconstruir.

Na minha colação eu fiz questão de entregar a lembrança a professora Renata, eu precisava de uma foto com a mulher que me fez ir além do que eu saberia ir.

Encerrada a minha jornada universitária, começaram as pressões sociais e financeiras. O que eu faria da minha vida a partir daquele momento, era total responsabilidade minha. Cada passo que eu desse me levaria a minha própria ruína. E foi uma quebra de expectativas, da mesma forma que eu não estava pronta para entrar na universidade em 2009, eu não estava pronta para o mercado de trabalho em crise em 2009. Eu estava na maior fragilidade do meu espírito em anos. Estava totalmente voltada para a introspecção do meu espírito, tudo o que eu queria era estar o mais longe possível das instituições do sistema financeiro, e era exatamente o que a sociedade me obrigava a fazer. E com uma persistência hercúlea eu fui a entrevistas de emprego que nunca retornaram, eu era incapaz de me esforçar para merecer uma contratação, hoje eu sei. Embora externamente eu acreditasse estar me esforçando o máximo, eu sei que meu espírito gritava para que isso não acontecesse. E isso, o trabalho tão esperado, não aconteceu, até hoje.

Setembro de 2014 eu senti uma angústia que estava concentrada no meu chacra abaixo do peito. Eu estava extremamente dividida entre o que eu desejava e o que eu deveria fazer. E encontrar com um ser evoluído e iluminado como o professor Laercio não foi reconfortante. Ele foi a primeira pessoa inteligente que eu vi falar o que eu dizia sozinha para todos, a universidade era um meio falido, fabricante de androides, que fora criada apenas para preparar o ser humano para servir o mercado de trabalho e continuar aprisionado dentro do seu corpo, sem alçar vôos, e nem conectar-se com seu ser. Vocês podem achar isso óbvio, mas quando se tem 23 anos e sente-se completamente pressionado a trazer frutos às expectativas de um mundaréu de pessoas, você se julga e também se pressiona. Mas eu já havia decidido a não fazer mestrado, e ainda não conseguia trabalho, eu estava naufragando dentro de mim, e reconhecia isso como um fracasso, mesmo sabendo não ser. Eu não havia me preparado para o mercado de trabalho, desde o dia em que entrei para o curso de letras, eu tinha apenas um objetivo, encontrar a técnica que eu não tinha para poder escrever. E saí querendo a mesma coisa, mas eu não me preparei para o que eu teria de corresponder. Durante todos os anos da minha vida, eu corri ansiosamente para conseguir alcançar o mais cedo possível meus sonhos, e aos 22 anos eu percebi que já havia alcançado a maior parte deles estipulados até aquele momento. Por isso aos 23 anos em 2014, eu tirei o pé do acelerador. Eu tinha certeza que se eu conquistasse tudo o que pretendia até os 27 anos, não chegaria até lá. Eu me despi de todo e qualquer plano e comecei a flutuar, criando minha própria margem. Eu tinha meus méritos, eu merecia o meu respeito, e a todos que me pediam explicação, eu só conseguia sorrir...
TO BE CONTINUED.

Link da parte II DO post: http://julianasmuller.blogspot.com.br/2018/04/parte-2.html