sábado, 3 de novembro de 2018

A separação do joio do trigo.


Boa tarde leitores e amigos, os tempos são de rupturas, de desesperos, de refugiados, de bifurcações, de renovações. O progresso não tem nada a ver com o dinheiro, tem a ver com consciência perante tudo e todos. E a consciência é maleável, moldável, por isso estamos vivendo tempos tão extremos, por isso o joio e o trigo já se distinguem como previra outros homens em outros tempos. Muitos morrerão se dizendo trigo, ninguém quer ser regra, todos querem ser exceção, mas a verdade é que eu não esqueço de nenhuma conduta, de nenhuma escolha sua, de nenhuma vítima de maus tratos, de nenhuma criança morta em um barco naufragado.
Eu sigo, mas essas imagens seguem comigo, elas não permanecem no passado, elas são meu termômetro, são minha bússola pra eu saber pra aonde estou seguindo.

A vida de acúmulos de capital não nos permite lembrar, pensar, sentir, mas eu me esforço por fazer menos parte de qualquer mundo material, e ser mais um espírito possível. E por isso trago a vocês esse texto reflexivo. Quem são vocês nesse caminho?


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Amal Hussain


Imagem de Amal Hussain deitada em uma cama de hospital no norte do Iêmen se tornou o símbolo da fome no país Foto: Tyler Hicks/The New York Times


Não tem carne, são só ossos, disse a médica.
e eu digo:
só há carne, não tem nenhuma humanidade.
Só temos a nossa famigerada individualidade.
Que nos vale como moeda de troca para não nos abatermos perante as atrocidades.

Você realmente não se importa com a atual condição das vidas na terra?
Ou você só espera que alguém resolva essas questões que não lhe cabem?
Pois você então não sabe?
Que o presidente branco que você elegeu apoia essas imagens?
Então você não sabe?
que o homem por traz do barco naufragado financia a guerra para manter seu trono banhado a ouro e sangue?
Então você não sabe?
Que foi você quem expulsou esse menino da Síria quando escolheu entre o humanitário e o economista,
Entre o mandatário e o socorrista?
Você vai ficar sabendo mais cedo ou mais tarde que você é responsável por cada refugiado que você recusa na sua lista.
Se você apoia um governo que apoia e cria a guerra em troca de gerar mais lucros para a sua economia, então você é o mandatário do crime organizado que mantêm a guerra na Síria, Iêmem e se alia com a Arábia Saudita.
Se você apenas acredita que o desenvolvimento do mundo depende do crescimento da economia,
então você precisa admitir seus crimes, e aceitar que você não é mais inocente nem vítima.
Você está errado, o desenvolvimento do mundo depende da vida.
Depende da humanidade que eu não vejo privilegiada em nenhuma revista.
Mas se você mediu as suas vontades, enraizou suas ideologias, apenas admita que a menina que morre de fome na Ásia, é o resultado da sua escolha diária em ignorar a vida, e priorizar a renda líquida.

Não estamos mais em tempos de flores, faz tempo, faz muito tempo que as flores não merecem ser arrancadas para enfeitar a sua vitrine, mas diante das escolhas do mundo, eu só posso alertá-los mais uma vez de quem vocês escolheram ser, e de que o caminho está quase sem saída. Já não há mais tempo de apontar o dedo, os caminhos já foram trilhados, e a estrada não é uma via de mão dupla, nem há paradas, apenas se avança na direção resolvida. Sinto muito meus caros irmãos, mas essa experiência está ficando cada dia mais definida, mais dolorida.

Uma arma não foi criada para te dar segurança, uma arma foi criada para tirar uma vida.
Uma flor não foi criada para te dar segurança, ela foi criada pra te possibilitar a vida.

Os velhos paradigmas estão tentando sobreviver, e por medo, por muito medo, por muito apego a tudo e sem saber pra aonde ir, vocês se agarram aos seus medos e por eles decidem que é louvável matar, desumanizar pra prosseguir. Vocês estão errados. Vocês precisam evoluir. Vocês precisam ouvir a todos, e parar de excluir, segregar, punir.
Para prosseguir numa caminhada é preciso deixar muita bagagem para traz, caso contrário se cansarão no caminho e desistirão de prosseguir, morrerão no lugar de origem com medo do que está por vir.

Em verdade vos digo,
Não há um único dia da minha vida que eu não pense na humanidade e os caminhos que estamos seguindo.

Ide em paz.

Juliana S. Müller.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

The peace.

bonne nuit mes amis.

06 de janeiro de 2015 terça-feira
Quando tudo está em paz...
Das prateleiras escoradas no chão vejo o futuro das paredes pintadas.
Daquela garoa acelerada é possível ver os raios de sol através das nuvens.
Das pegadas do gato no fogão vermelho eu vejo a sede pela água, que não é sua.
Nos azulejos antigos do banheiro eu vejo Atenas deitada numa banheira de mármore.
No quadril que se alarga mais e mais, eu vejo as velhas calças sendo doadas.
Atrás daquela nuvem esparsa é possível adivinhar a nave que não se aproxima de nós.
Na claridade de uma casa ensolarada encontro a luz que sua face não refratarás.
E depois de encostar no pelo macio do Chicó posso desejar nunca mais te abraçar.
Depois de orar, meditar, estudar, foi a tua carne que me fez compreender a verdadeira e única forma de amar.
Agora sim estou em paz.
De sua Juh...

domingo, 24 de junho de 2018

Ventos venosos

09.03.2018


Eu vejo a luz do aparelho acesa, e não apago.
Eu moro no interior do interior do interior do Brasil.
E todos os buracos que escavei aqui, revelaram a mesma lama estéril lodosa.

Não vejo o céu daqui,
não vejo nada.
Apenas poeira no horizonte febril e seco.
Não há chuva que dissolva essa poeira acumulada.
Não há sequer escuridão que distraia meus olhos para o brilhos das estrelas.
O céu é fosco e apaga tudo,
Todas as pontas de luzes viram pó no cinzeiro.

Não há chuva que umedeça minha garganta.
A secura dos tempos evapora qualquer gota d'água.
Clima semidesértico não propagandeado.
Enquanto não estampar a notícia no jornal
a realidade continuará subtropical, chuvosa.

A realidade já bem sei, não me cria nada.
Mas o mínimo contato com a arte e
minha mesa de cabeceira se escancara.
As gavetas que se abrem expõem qualquer coisa sem graça
que com as cores certas, viram obras indeclaradas.

Toda morte me mostra a eternidade canonizada.
Não perdemos nada.
E quando chegar a hora
meço as palavras ao morto,
porque alma de artista,
sempre vira alma penada.

Juliana S. Müller.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

ESCAPE

Bonjour leitores e amigos, tenham uma boa leitura e quem sabe, talvez, uma reflexão efêmera.

Bisous.

ESCAPE. 03.06.2018.

Menos euforia, mais filosofia.
Menos limitado, mais inusitado.
Mais alegria, menos melancolia.
Mais amor, menor ódio.
Menos dor, mais abraços.
Menos ego, que ego não rima.

O ego não rima.
O ego não rima.
O ego não rima.
O ego não rima.

O ego é desculpa não aceita.
O ego é a fenda que só aumenta.
O ego é o reflexo no espelho.
O ego é a crítica
O ego é a casa do medo.
O ego é espírito em desassossego.
O ego é o naufrágio do equilíbrio.
O ego é matéria que se esculpe em pró de si mesmo perante o alheio.
é armadilha que se aprende desde pequeno.
A construção do ego destruiu o ser divino, premiou o ser HUMANO e fez escadas até o precipício.

Todo posicionamento nasce do desejo de expandir o ego.
Todo ego regozija com os aplausos de homens densos.
Homens densos são feitos de superegos que só enxergam os seus umbigos.

Repense seus meios.
Repense seus desejos.
Repense seus atos.
Repense seus alheios.
Repense o mundo.
Repense a existência.
Repense os filósofos.
Repense os credos.

E quando então estiver desperto, venha e me conte sobre o mundo,
Escape dos motores que te ferve.
Oriente-se
desperte-se.
Não disperse.
Não dispense possibilidades de conhecer a realidade,
de colocar os olhos para fora da caixa.
aprenda a amar todas as coisas.
Aceite a sua origem extraterrena.
Aceite a individualidade do espírito.
Desprenda-se de qualquer medo.
Agite-se para poder voar.
Acalme-se para poder em si repousar.
Leia todas as receitas, e faça a síntese que melhor lhe representa.
Não engula nada sem ler a procedência intelectual.
Digira todas as coisas antes de devolvê-las.
A palavra é potência, exerça-a.
A palavra é potência, use-a sem ofensas.
E lembre-se sempre de olhar para o céu.
De olhar para o céu.
olhar para o céu.
para o céu.
o céu.
céu.
eu.
u (you).


Juliana S. Müller.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

L'hiver

Bonjour aos leitores e amigos da vida e do blog. Um poema cheio de imagens comuns e aconchegos no imaginário.
Sou fã do inverno, desde os primórdios, e isto é em mim, irremediável. Admiro o equilíbrio das estações do ano no espírito, o qual precisa de muitas influências externas para compreender o seu próprio estado. A filosofia oriental chinesa fala abertamente sobre isso, sobre nos adequarmos e não relutarmos com casa estação do ano. E a beleza do mundo são as suas diferenças. Amar cada dia,  cada clima com suas peculiaridades, e procurar entender e se integrar da forma mais harmônica possível e respeitosa, evita muitos conflitos no corpo físico e espiritual. O recolhimento do inverno é tão essencial quanto à extroversão do verão. Quando agimos da mesma maneira, e exigimos do nosso corpo e do nosso intelecto, as mesmas coisas durante os diferentes períodos climáticos do ano, desrespeitamos o acordo firmado entre espírito e corpo, e então temos de lidar com todas as doenças e desequilíbrios o ano inteiro. 
Não precisa amar como eu, mas aprenda a respeitar as diferentes estações que o nosso lindo planeta fornece ao nosso ambiente, e tente sintonizar com o que o seu espírito precisa em cada determinado tempo. 
Eu sofro, com cada atraso do frio outonal, e com os desequilíbrios que o nosso modo de vida não sustentável vem causando no planeta. Espero que tenhamos um inverno intenso e equilibrado, para que a primavera e o verão sejam tranquilos e os insetos controlados.

Tenham uma boa leitura.
Abraços e muitos beijos.

É FATO.

Que meu humor melhora com o inverno.
Meus poros se contraem e minha pele rejuvenesce.
Meus olhos clareiam no gris do céu.
E o vento gelado me faz pensar de forma aguçada.
A música francesa aveludada vira hit no meu som.
E as roupas de lã me afagam.
Os meus poemas saem com maior deleite.
O caldo quente de todas as noites
O vapor do chuveiro, gratificante.
Os nossos corpos na cama, apertados.
Chocolate quente.
Cachecóis.
Meias felpudas.
A pele seca.
Algum resfriado.
As blusas grandes,
o livro aberto na poltrona.
O ar limpo qual cristal.
O horizonte nítido.
As texturas sobrepostas em tons de peles descobertas arrepiadas.

Ah, o inverno.
Me aproxima de Paris.
Me afasta dos trópicos.
Reconquista outros espaços.
Funda em mim outra nação.
Outro idioma.
Outros colapsos.

As ruas silenciosas.
As pessoas mais receosas.
O reflexo da luz no asfalto molhado.
A introspecção.
O resguardo.
O chá quente.
O sangue congelado.


O som mais abafado.
As portas e janelas fechadas.
Eu encerrada em meu quarto.
As cobertas acumuladas, enroladas, amontoadas.
O contato com o sanitário gelado.

Ah, o frio.
Não há nada que eu possa fazer, amo o ar gelado.
O sol acabrunhado,
os insetos encavernados.
O sono das crianças prolongados.
O aconchego ao redor do fogo que queima todos os pensamentos.
O silêncio.
O silêncio.
O silêncio.
Quebrado pelas gotas de chuva que ao contrário das lágrimas descem frias e não alcançam meu coração.

O inverno é o recolhimento d'alma.
E não há culpa no desfrute desse aconchego.
Que acabe com o sofrimento dos moribundos nas ruas encharcadas.

Não me queixo.
Aqueço os pés com água quente
e bebo chá de alho quando necessário.
A poesia está além dos muros congelados.
Ela está dentro de mim,
E comigo eu sei o que faço.


Juliana S. Müller.

terça-feira, 1 de maio de 2018

Retrospectiva dos meus últimos 10 anos de vida. Parte 1

Bom dia leitores e amigos queridos, resolvi fazer um balanço da minha vida desde os meus 17 anos quando tudo mudou para mim, até os meus 27 anos que felizmente completei ontem, dia 26 de abril. É um texto longo, ora poix, é um pouco de cada ano desses dez últimos que formaram esse ser estranho e maravilhoso que sou hoje. É leitura para dias, não se avexe, leia como se fosse um livro, tranquilamente e sem a euforia da poesia.
Beijos e boa leitura.


Bom dia Ondas, hoje é o meu 27º  aniversário, já tenho quase três décadas de existência na Terra, e mais do que qualquer outra idade, eu desejei muito chegar aos 27 anos. É como se no meu mais primitivo instinto, eu intuísse que esse seria o fim de um ciclo em minha vida. O fim de uma década fantástica, a qual eu pude realizar numerosos sonhos/desejos e viver intensamente a minha juventude sem desequilíbrios, sem arrependimentos, com aventuras e amigos que se instalaram dentro das minhas células, e fazem parte do meu DNA.
Eu já escrevi esse texto na minha cabeça hoje inúmeras vezes, enquanto lavava a louça, lia as mensagens de parabéns, notícias do dia, e agora estou tão zen que mal consigo organizar a teia das ideias e memórias.

2007. Ano decisivo. Conheci o Arnoldo, primeiro homem digno de amor, esperava por ele há algum tempo.
2008. A página que escrevi com muito cuidado, desejei todos os dias o mesmo destino. E ao cabo deste ano entrei pra Universidade. Era a única Universidade em qual eu queria estar, foi o único vestibular que eu prestei na minha vida. Nunca gostei de testes, era apenas corajosa e tinha auto-estima.
2009. Tudo mudou. A vida recomeçou em Curitiba, cidade que eu escolhi com o coração e um sentimento que não explico, é apenas sintonia, a cultura, as pessoas, o clima, tudo era apaixonante, tudo tinha música, tudo era poesia.
Aos 17 anos dei o passo que me levou ao maior sonho dos últimos anos da minha adolescência, entrar pra UFPR. E só percebi o quanto nova eu era, quando olhava para as minhas mais novas amigas, e sabia, éramos ainda embriões naquele Castelo cheio de doutores que tinham o dobro da nossa vida. Só quando percebi nos nossos rostos lisos, e corações sem feridas, é que me dei conta do quanto destoante éramos naquele cenário, em que víamos pessoas tão adultas e instruídas se movendo com a leveza de quem domina o mundo todo, e não teme novos rostos, novas subidas. Eu temi, me senti completamente cega, mal instruída, sentia que não dominava o ambiente ao qual eu recém pertencia, mas aquilo era amedrontador e instigante, e eu senti na pele o choque cultural, e a maturidade, a secura das bocas, a arrogância dos sábios. Mas isso só alimentou meu imaginário, e me fez compor poemas melancólicos e eufóricos, tudo dependia de como ia o dia.
Passei o primeiro ano olhando os prédios, visitando com minha mente bares, danceterias, museus, conhecendo ruas, decorando os nomes de todas as pessoas influentes da cidade, todos os artistas contemporâneos. Fui descobrindo o quão ignorante eu era do mundo. Devorei álbuns de música que nunca ouvira, conheci pessoas com alto grau de filosofia, e me ative a reconhecer que o mundo era grande e eu estava muitos passos atrás da maioria das pessoas que eu conhecia. Minha cultura era limitada, para não dizer comezinha. Mas eu tinha auto-estima e era mais curiosa do que corajosa. O ano de 2009 foi o ano em que tive que atualizar meu download, nada restou do velho programa intelectual. Tive que criar arquivos com os quais nunca me deparara antes. Foi o ano em que reconstruí minha biblioteca intelectual e redesenhei o mapa da nova cidade pela qual eu me movia agora. Assim como ampliei as fronteiras físicas da cidade em que eu vivia, ampliei as fronteiras do meu conhecimento, eu me reinventava, eu me reconstruía.

Vozes: Chico Buarque, Adriana calcanhoto, Tiê e Ana cañas, Zeca Baleiro.

2010. Ano em que mudamos para o apartamento no centro de Curitiba. Realizei meu sonho, morar no centro de uma grande cidade. Agora eu estava instalada fisicamente onde eu desejava, e caminhava todos os dias para a Universidade, sentindo o frio de todas as manhãs no rosto, e o calor do sol à pino ao meio dia na volta das aulas. Olhava todas aquelas casas com antigas estruturas e muitas histórias, os prédios com tantas famílias, o mercadinho, a padaria, a revistaria. Tudo estava ao meu alcance, eu morava no centro do mundo e isso fazia toda a diferença naqueles dias.
Esse ano estabeleci os laços com as mulheres que estariam comigo até os últimos anos das aulas de letras na universidade. Aline, Carol e Wellen, formamos um quarteto, e desse quarteto guardo muitas histórias, e as experiências universitárias mais clichês, como os primeiros porres das amigas, os primeiros namoros, as fofocas sobre o mundo acadêmico, a independência ainda vacilante, as teorias sobre a vida ainda encubadas, os medos, as inseguranças pela pouca idade, o pouco conhecimento, e a certeza da hierarquia.
Guardo todas no meu coração, todas foram e são importantes na minha história, ainda mantemos as mesmas indiscrições, e tenho certeza que quando nos reunirmos novamente, nossos olhos recordarão as mesmas faces juvenis e incertas daqueles dias.

2010, foi o ano em que a minha figura como menina começava a cair e uma nova mulher surgia. E foi nesse momento que a Adri apareceu na porta da minha casa me convidando erroneamente para ser sua modelo fotográfica por um dia. Nossos destinos estavam traçados, não tinha jeito. Ela foi atrás de uma amiga que ela vira pela janela do meu ap. que estava de visita, e se obrigou a fingir que era eu mesma quem ela procurava, quando percebeu que eu era a única loira daquele ap. 304. Descobri o engano um ano depois, mas nossa amizade já estava consolidada, e os corações já tinham cimentado, não dava para rever aquele maravilhoso engano. A Adri me transformou em Alice por um dia e eu colhi os frutos daquele dia por anos. Aquelas fotos de Alice foram iscas para pessoas maravilhosas entrarem na minha vida.
Além de me transformar em Alice, a Adri me repaginou, trouxe a minha vaidade de volta, porque coitada da vaidade, estava escondida através de páginas e páginas de livros e apostilas. E foi através dela, da manauense mais divertida do Brasil, que eu tive a minha figura repaginada. Me senti viva por dentro e por fora, e a mulher que nasceu dali foi algo milagroso e revolucionou o meu ego. Esse foi o ano em que matei todas as vergonhas de me sentir mulher, e assumi a fêmea que sou, com todas as consequências e responsabilidades que isso abarca.

Na Universidade já havia me inserido e adaptado, os professores já pareciam mais amigáveis, e os códigos decifrados. Agora os bares já se abriam pra mim, assim como os shows de artistas que eu jamais imaginava assistir ao vivo, tudo era extremamente novo e intenso. Mas com toda certeza, fui a jovem mais sensata da minha época. Qualquer jovem interiorana na minha idade cometeria exageros, eu não me sentia mais atraída pelos extremos do mundo, tinha um homem adulto ao meu lado, e muita ânsia em desbravar o mundo, conhecer todos os nomes que nunca tinha ouvido, todos os escritores que nunca lera, escrever para concursos literários, seduzir o mundo para o meu itinerário. Eu já sentia a vontade de saborear o mundo, toda a adolescência tinha ficado no ano passado, e parecia que dez anos tinham se passado, desde o dia que deixei Corbélia. Eu era outra, o mundo era o mesmo, meu espírito convulsionava de alegria, todos os dias eram dias felizes, e assim foram todos os anos em que vivi em Curitiba.

vozes: Tulipa Ruiz, O teatro mágico,

2011. Ano em que eu dava conta de sete matérias ao mesmo tempo em que trabalhava na biblioteca da universidade, e não carecia comparecer todos os dias nas aulas. 2011, foi o ano em que obtive total controle sobre as minhas capacidades intelectuais e literárias. Foi quando o meu cérebro completamente voltado para as ciências exatas, se habituou com o mundo abstrato das letras e suas teorias. Foi também quando cheguei ao meu ápice intelectual acadêmico, que descobri que todo o esforço dos últimos dois anos me igualara a todos os alunos geniais. E foi quando vi todos os noves que buscava. E foi o ano em que comecei a participar intensamente da vida cultural curitibana, a desvendar os lugares, a descortinar a cidade que até então parecia se esconder de mim. Foi um caminho sem volta. Me embriaguei de toda a poesia leminskiana, das bandas locais, dos poetas, atores, dos eventos gratuitos, dos festivais, e de toda a comida sofisticada que ainda não conhecia.
Tudo o que eu vivia, sentia, virava poema. Tudo na minha rotina era exatamente como eu imaginava, era realmente verdade. As aulas de literatura, as ruas brancas, o céu laranja, a multidão desconhecida, o frio das tardes, a apartamento aconchegante e apertado. Os amigos que se uniam ao meu mundo, tudo isso era mágico, era exatamente o que eu tinha almejado até ali.

Neste ano o Arnoldo e eu nos comprometemos a ir em todos os shows que passassem pela cidade, e que fossem do nosso interesse. Não sei quantos artistas da minha lista consegui ver naquele ano, mas quase todos os meses fomos em algum show. Foi o ano em que eu saí do país pela primeira vez. Fomos para Buenos Aires, era um dos meus desejos, falar o espanhol em um país em que a língua fosse nativa. Foi a única viagem que fizemos juntos atravessando as fronteiras brasileiras, foi memorável, vivemos 15 dias na argentina como um argentino. Andamos pelas ruas, mais do que nossas pernas pudessem aguentar, e eu conheci um dos homens mais generosos e geniais da minha existência. O Dámaso, que ser humano especial. Só consigo ver sorriso naquele rosto, aquele sotaque, aquele idioma, aquele coração maior do que todas as fronteiras do Brasil. Que pessoa rara. Dámaso é baterista, e mais do que isso, é um argentino com um pé no Brasil e outro em sua terra natal. Criador de métodos próprios, compositor e difusor do amor pelo mundo.

Em 2011, me dediquei aos concursos literários, ao violão, e ao som do vinil.
Descobri a minha capacidade de ser artista no mundo, de atuar na sociedade, de criar personagens adequadas a cada situação cotidiana. Foi um ano de felicidades, de paixões literárias, de liberdade incondicional. De Grande sertão: Veredas. De plenitude da alma. Foi nesse ano que reconheci a Mel. A Mel é um ser de luz vindo direto das estrelas pra ajudar na evolução deste planeta, ela se aproximou de mim exatamente por isso. Nossa história é longa, mas se resume em Amor, reconhecimento espiritual e ideológico, reciprocidade, respeito e admiração. A Mel reconheceu em mim a mesma grandeza que eu reconheci nela, a pluralidade do espírito artista, e a mente expandida. Eu poderia enumerar todos os fatores importantes que nos une, mas basta dizer que foi através das fotos de Alice no país das Maravilhas, feitas a convite da Adri em 2010, que nós nos aproximamos. É por isso que a arte é a espinha dorsal da minha vida. Todas as pessoas que eu conheci nestes últimos dez anos da minha vida, foram por causa da arte. Foi também em 2011 que conheci a Isa, outra grande amiga das estrelas, de uma beleza sem igual. Uma alma meiga de bondade celestial, a qual só viria com tudo em 2012 pra ficar eternamente na minha história transcendental.
Foi com essas duas queridas que fiz o ensaio fotográfico mais fodástico de todos os tempos, foi o registro mais querido de um dia inesquecível e inigualável, de luxo, glamour e arte reconhecida. Neste doce novembro selamos nossas vidas para a eternidade.

vozes: Caetano  Veloso, Tom zé, Arnaldo Antunes.

2012. Esse ano começou esquisito.
Mas havia a oficina de música, e meu desejo de beber de tudo o que a cidade podia me oferecer e me alterar. Conheci a Alice Ruiz pessoalmente, que Mulher, que Artista.
Comecei a andar sozinha pelos museus, e eventos quase nunca frequentados durante os dias da semana. Já havia estabelecido os lugares que gostava de frequentar, o fingen, o mafalda, um café perto de casa, e a videolocadora. Me descobri cinéfila, e a toca dos cinéfilos. Ano em que a Universidade perdeu seu brilho, as aulas de literatura se tornaram repetitivas, as teorias não evoluiam, enquanto meu pensamento voava, tudo o que deglutira até agora do mundo das artes, estava sendo digerido à pleno vapor. Mas foi o ano em que conheci Saramago, e foi o meu maior amor em prosa literária. Agora eu tinha dois guias, um português e outro brasileiro, Guimarães Rosa e José Saramago se tornaram meus mestres, assim como ao final deste ano Drummond e Pessoa serias meus mestres na vida e na poesia. Então, pode-se dizer que 2012, foi o fim de um ciclo pra mim, e o começo de outro. Foi um ano de estabelecimentos, de fin de époque. Minha inserção ao idioma francês depois de conhecer François Truffaut e a nouvelle vague, e a total identificação com a arte francesa. Tenho completo amor ao estudo de um novo idioma, emergir na cultura, na filosofia de vida, e descobrir que a língua é mais do que a forma como um ser se comunica ao outro, a língua é a forma como um povo vive a sua filosofia de vida. Nesse ano descobri novos amores literários, linguísticos, cinematográficos, musicais. Hoje olhando para este ano, vejo que os meus gostos foram estabelecidos exatamente neste ano, meus ídolos desde então foram imutáveis.
Em 2012 houve uma das greves mais longas na UFPR, duraram quatro longos meses. Então eu tive tempo de sentir muita coisa, conhecer tantas outras, e passar o inverno embaixo das cobertas, ouvindo Elis Regina no vinil, Caetano, Milton, Macalé. Assistindo todos os filmes do telecine cult e tomando capuccino três corações.
2012 foi um bicho de sete cabeças, de turbilhões de emoções. Setembro quando voltaram as aulas conheci Fernando Pessoa de verdade. E nesse setembro tudo estava pesado, meu espírito sentia mudanças, assim como o Arnoldo. Estávamos sentindo uma dor que não era nossa. Então pela primeira vez o poema do Drummond fez sentido pra mim. Sentimento do mundo. Era isso, aquela dor não era nossa, mas sentíamos todo o peso dela, e durante uma aula com a professora Patrícia, em que ela lia um poema do heterônimo do Fernando Pessoa, Alberto Caeiro do livro "O guardador de rebanhos", aquele poema que eu acompanhava com os olhos em lágrimas, com a cabeça baixa para que ninguém percebesse as lágrimas que escorriam em mim, foi quando eu levantei a cabeça e vi que a professora também chorava com o mesmo sentimento que eu. Naquele poema eu fui capaz de renascer, de redescobrir o Jesus, e foi ali, que minha espiritualidade reacendeu dentro de mim. Meu espírito acordou.

Em outubro deste ano tive um encontro com o poeta F.K., conheci ele no lançamento de sua tradução do Bukowiski. Ali naquele fim de outubro, tive certeza que encontrara o meu parceiro literário, o poeta que seria meu parceiro de poesia pra toda vida. Escrevi-lhe um poema convite, ele aceitou, e em quarenta dias, havíamos escrito um belo e robusto livro de poesias trocadas. Uma conversa entre uma Musa e um poeta. Foi uma experiência intensa, de vaidade, egos, muita poesia, e sentimentos complexos. Havia ainda aquele sentimento de mundo, e havia a personagem da Musa me tomando todo o tempo, e em alguns momentos mal conseguia conduzir os dois sentimentos dentro dos versos, e muito menos dentro de mim.

Já no fim deste ano intuí que meu parceiro de versos não duraria mais do que a passagem de um cometa demora para se deteriorar na atmosfera terrestre. Foi uma pena, as nossas poesias transam com a espontaneidade com que a gente respira. Mas é de reconhecimento humano que alguns espíritos são fortes, outros perecem. São sensíveis, frágeis, e não são culpados da vulnerabilidade com a qual conduzem suas vidas.
Esse ano não acabou com o mundo, mas o mundo nunca mais seria o mesmo desde então, e eu sentia isso vivamente em todas as células do meu corpo.

vozes: Elis Regina, Caetano Veloso, Ana Cañas, Novos Baianos, Violeta Parra.

2013. A grande depressão brasileira para mim aconteceu ali, neste ano em que Curitiba teve apenas 48 dias de sol, menos do que a capital inglesa. Eu comecei imersa em sentimentos tensos, com a universidade se restabelecendo da greve, com uma ressaca poética depois de ter quase uma overdose de versos com o poeta no fim do ano passado, mal tinha forças para manter o Blog que comecei antes de ver o fim da nossa parceria ruir.
Na minha vida acadêmica havia a monografia pra escrever, um orientador em total relapso, e minhas ambições do projeto de conclusão de curso indo por água abaixo. Precisei mudar de projeto, quando um professor me libertou das minhas apreensões em que eu me encontrava, ao me ver completamente abandonada com um projeto ambicioso nas mãos, esse professor que tem nome de santo, apenas falou, VÁ SER FELIZ NA VIDA JULIANA, e eu fui. Abandonei o projeto que eu tanto desejava realizar e me joguei no que eu já sabia fazer, analisar a obra do meu amado Saramago. Antonio tirou uma pedra de cima do meu coração. E em poucos meses escrevi sessenta e sete páginas do trabalho de conclusão de curso, sozinha, completamente negligenciada pelo meu orientador que passava por confusão mental naquele ano, com a alegria de quem escreve poemas. Eu fui sabotada na minha pesquisa, e isso foi frustrante, é preciso que esteja claro que eu não inocento o orientador do meu projeto, o problema dele comigo se tornou pessoal a partir do momento em que lhe recusei seus elogios nada acadêmicos, e convites nada profissionais. Isso me abalou, mas o que mais me enlouquecer e frustrou neste processo todo foi, descobrir que todo o empenho em que eu tive em aprender a pensar durante todos aqueles anos na Universidade jamais poderiam ser utilizados sem alguém com nome pra validar o que eu pensava. Essa falta de autonomia me sabotou mais do que tudo. Era desumano toda essa situação, e 2013 foi um marco do que eu faria da minha vida a seguir.
Houveram coisas muito fortes nesse recomeço de ciclo. Conheci um ídolo pela primeira vez de pertinho. Oswaldo Montenegro é um homem completamente alucinado, ele alucina como eu, não tem medo de nada, nem de gente, nem de bicho, nem de espírito desencarnado. E ele me revelou isso tudo na mesa do seu hotel, enquanto fumava charuto e bebia coca light, e eu bebia vinho como se estivesse com qualquer amigo, sem cerimônias, sem diferenças, sem fotos. Conversamos por horas a fio, e guardei uma frase que sempre repito quando estou em dúvidas com meus fracassos, VOCÊ É ESPECIAL MENINA, VOCÊ É DIFERENTE, e explicou o porquê disso, mas eu não me recordo agora, mas escrevi em algum lugar do meu diário, ao lado do número do telefone celular do Oswaldo. E esse é o maior esnobismo que guardo até os dias de hoje no meu livro das vaidades.
Em 2013 também realizei um desejo, participar de um protesto com milhares de pessoas na rua, lutando pela democracia. Foi interessante, nos dias em que participei me senti viva, ativa, capaz com o coro de vozes sem bandeira que pediam por "redemocracia". Foi também o ano em que Jak e a Régis entraram com tudo na minha vida. Portanto é um ano pra se recordar com a mesma relevância que todos os outros.

Foi o auge da minha beleza externa, e esse registro eu e minha alma amiga Mel fizemos através das lentes do fotógrafo do meu coração Cadu. Nós fizemos no fim do ano um ensaio pra finalizar a trilogia de ensaios fotográficos que marcaram esses períodos tão intensos das nossas vidas. E depois deste ensaio que finalizou o meu período da minha vaidade feminina, e extroversão, para dar início no próximo ano, a um período de introspecção que durariam quase 4 anos inteiros.
Fizemos um ensaio como todos os outros, a Mel alugou um quarto de hotel, nos hospedamos lá, contratamos a maquiadora mais competente e talentosa que eu conheci, a Camila, e então fotografamos durante uma tarde e noite inteira, causando histeria nos funcionários do hotel, que nunca sabiam se éramos meros mortais ou artistas desconhecidas. Eu particularmente acho que somos os dois. Esse ensaio foi muito significativo pra mim, primeiro porque a Mel me deu ele, foi o tema que eu escolhi, pin ups francesas, já que eu estava imersa no universo francês, e nosso primeiro ensaio foi com a temática pin up. Nesse ensaio eu consigo ver a beleza que tanto atordoou todos os homens que cruzaram o meu caminho neste ano, e posso ver também a melancolia nos meus olhos, de quem já começava a recusar toda essa euforia exibicionista do mundo das vaidades físicas e egoicas.
Foi um lindo ano, denso, trevoso, chuvoso, confuso, mas foi pra mim a morte definitiva de alguém que eu amei ser, mas que não cabia mais neste novo ciclo planetário, nem dentro do meu eterno ser.

vozes: Criolo, Caetano Veloso, Oswaldo Montenegro, Gal Costa, Mercedes Sosa, Chavela Vargas, Carla Bruni, Zaz, Edith Piaf, Charles Trenet.

2014. Eu estava mais leve, já começava a avançar na espiritualidade e a destoar dos antigos desejos da vida material. Tive a minha primeira experiência no Psicodália, um evento que desde 2009, quando cheguei em Curitiba eu desejava ir. A música e a liberdade do festival, exorcizaram todos os demônios do ano anterior. Eu me reconectei ao meu eu divino, foi quando senti pela primeira vez em comunidade o sentimento que eu buscava no mundo. A liberdade, o respeito, o amor, a simplicidade, a humildade e logicamente a ARTE.  Quando voltei daquela chácara, descobri como eu não queria mais viver. E logo conheci através de uma página do facebook um ser tão iluminado e compactuante com o que eu já há algum tempo sentia, experimentava e filosofava, que só pude me esclarecer e agradecer ainda mais o encontro com aquele homem que o cosmos e meus guias me proporcionaram. Laercio Fonseca apareceu na minha vida em um momento em que eu, já havia descoberto a falência do sistema de educação tanto de base, mas principalmente o universitário, em que eu já havia constatado a cilada que era o ego, e a guerra que os seres aqui na terra se propunham em busca de alimentá-lo. O professor Laercio, não podia aparecer nem antes, nem depois, ele tinha que me encontrar naquele momento, e um dia eu poderei agradecê-lo pessoalmente toda a abertura que ele trouxe para a minha compreensão da existência.
A partir deste ano, toda a minha poesia, todo o meu vocabulário mudará, porque o foco da minha vida também muda. Eu senti que precisava me livrar de um símbolo reconhecidamente erótico que são os cabelos, e decidi cortar o mais curto que eu poderia suportar e doá-lo, transformando um símbolo de luxúria, em um símbolo de caridade. E foi reconfortante quando caminhei pela primeira vez em anos nas ruas de Curitiba e os olhos dos homens não se voltavam mais pra mim. Eu havia renunciado ao mundo que até então me fizera existir. Foi um esgotamento muito grande de inúmeros assédios, que me levaram a essa ressaca da beleza estereotipada. Foi libertador passar invisível pelas multidões, mas eu também me senti completamente desprotegida, é como se todos pudessem agora ver a minh'alma, foi invasivo de outra forma, eu tinha retirado a minha máscara, e ainda não sabia como me proteger das coisas que nos assombram na outra dimensão do ser.

Mas antes de entrar na minha evolução espiritual, vou finalizar a minha vida acadêmica.
Em 2014, eu já havia apresentado minha monografia no natal no ano passado. E com a conclusão da banca, eu pude concluir a minha apreensão com meu orientador, e descobri que ele tinha realmente ferrado comigo. E tudo o que ele disse quando meu professor com nome de santo o inquiriu,  de qual havia sido o problema, ele apenas respondeu, faltou tempo. eu fiquei um ano e meio em função disso, e sabia que o problema não fora o tempo, mas já não me importava mais, a forma como as universidades conduzem as pesquisas dos universitários era uma vergonha, e eu já não alimentava mais ilusões. Apenas concordei, meu professor sabia da minha competência, eu e ele nos tornamos grandes amigos, e ele sabia das falhas do orientador do meu projeto. Então em 2014, quando todos esses escombros já haviam sido ejetados, eu pude curtir o último semestre que restara dos meus cinco anos e meio do curso de letras. Nesse semestre eu pude escolher as matérias que desejasse, e fiz boas escolhas, uma em especial com a professora Renata. Uma carioca que instigou em mim a capacidade de pensar e analisar a literatura e a teoria literária como eu gostava de fazer. Ela me alçou aos vôos mais altos da minha intelectualidade, e eu saí da Universidade sabendo exatamente quem eu era, e de como não poderia continuar na teia acadêmica, de intrigas, e submissões à hierarquias desmerecidas, que apenas matavam o que havia de mais brilhante em mim, o raciocínio, a criação.
Foi assim que no meio de 2014 me despedi do mundo acadêmico com a certeza de que eu não poderia continuar nesse sistema falido e arrogante, sem antes me reconstruir.

Na minha colação eu fiz questão de entregar a lembrança a professora Renata, eu precisava de uma foto com a mulher que me fez ir além do que eu saberia ir.

Encerrada a minha jornada universitária, começaram as pressões sociais e financeiras. O que eu faria da minha vida a partir daquele momento, era total responsabilidade minha. Cada passo que eu desse me levaria a minha própria ruína. E foi uma quebra de expectativas, da mesma forma que eu não estava pronta para entrar na universidade em 2009, eu não estava pronta para o mercado de trabalho em crise em 2009. Eu estava na maior fragilidade do meu espírito em anos. Estava totalmente voltada para a introspecção do meu espírito, tudo o que eu queria era estar o mais longe possível das instituições do sistema financeiro, e era exatamente o que a sociedade me obrigava a fazer. E com uma persistência hercúlea eu fui a entrevistas de emprego que nunca retornaram, eu era incapaz de me esforçar para merecer uma contratação, hoje eu sei. Embora externamente eu acreditasse estar me esforçando o máximo, eu sei que meu espírito gritava para que isso não acontecesse. E isso, o trabalho tão esperado, não aconteceu, até hoje.

Setembro de 2014 eu senti uma angústia que estava concentrada no meu chacra abaixo do peito. Eu estava extremamente dividida entre o que eu desejava e o que eu deveria fazer. E encontrar com um ser evoluído e iluminado como o professor Laercio não foi reconfortante. Ele foi a primeira pessoa inteligente que eu vi falar o que eu dizia sozinha para todos, a universidade era um meio falido, fabricante de androides, que fora criada apenas para preparar o ser humano para servir o mercado de trabalho e continuar aprisionado dentro do seu corpo, sem alçar vôos, e nem conectar-se com seu ser. Vocês podem achar isso óbvio, mas quando se tem 23 anos e sente-se completamente pressionado a trazer frutos às expectativas de um mundaréu de pessoas, você se julga e também se pressiona. Mas eu já havia decidido a não fazer mestrado, e ainda não conseguia trabalho, eu estava naufragando dentro de mim, e reconhecia isso como um fracasso, mesmo sabendo não ser. Eu não havia me preparado para o mercado de trabalho, desde o dia em que entrei para o curso de letras, eu tinha apenas um objetivo, encontrar a técnica que eu não tinha para poder escrever. E saí querendo a mesma coisa, mas eu não me preparei para o que eu teria de corresponder. Durante todos os anos da minha vida, eu corri ansiosamente para conseguir alcançar o mais cedo possível meus sonhos, e aos 22 anos eu percebi que já havia alcançado a maior parte deles estipulados até aquele momento. Por isso aos 23 anos em 2014, eu tirei o pé do acelerador. Eu tinha certeza que se eu conquistasse tudo o que pretendia até os 27 anos, não chegaria até lá. Eu me despi de todo e qualquer plano e comecei a flutuar, criando minha própria margem. Eu tinha meus méritos, eu merecia o meu respeito, e a todos que me pediam explicação, eu só conseguia sorrir...
TO BE CONTINUED.

Link da parte II DO post: http://julianasmuller.blogspot.com.br/2018/04/parte-2.html


sexta-feira, 27 de abril de 2018

Parte 2.

E não era minha boca quem sorria apenas, era o meu espírito que já não compreendia a vida da mesma forma, eu agora não usava a mesma plataforma. Fui entrando cada vez mais na minha existência e desejei intensamente saber quem eu era, e eu ainda não sei, o que eu sei é quem eu não sou, e quem eu não quero ser. Em 2014 mudamos para uma casa grande, espaçosa, meu marido se olhou no espelho sem barba e não reconheceu mais a sua vida, pediu a conta do seu trabalho, e fomos para o pilarzinho, neste bairro começamos outra história. Mas antes deste dia chegar, eu voltei pra Corbélia de férias, e numa noite inesquecível, na casa da minha irmã mais velha, eu bebi todo o vinho que meu cunhado tinha com ele e outra irmã mais nova, e em francês consegui expor toda a dor que me espremia. Foi nessa noite que eu vi no brilho dos olhos da minha irmã algo que antes ela não tinha, exatamente naquele dia, dentro do seu ventre germinava a semente que eles tanto queriam. Foi naquele dia que a Laura apareceu pela primeira vez na minha vida, através dos olhos da minha alma gêmea nesta vida.

No triplex, eu ganhei meu primeiro animal de estimação, ele me foi trazido por uma amiga querida, e cheia de alquimia. O gatinho Chicó trouxe com ele a alegria que eu não conhecia, e o amor ao reino que eu ainda não fazia ideia de como me mudaria. Com uma semana de convivência com o Chicó eu me tornei vegetariana. Eu amei aquele ser com tanta intensidade, que me choquei com a doação que fiz a alguém que não fosse eu mesma. Assim como chegou, o Chicó se foi, e comigo deixou a certeza de sua missão, concretizei um desejo e uma certeza que há muito tempo eu já cultivava dentro da minha consciência, o vegetarianismo não é apenas uma causa, é uma exigência, é uma ascensão do ser humano que precisa ser alcançada por todos aqui na terra. Quando você aqui na terra aprender a redirecionar o seu olhar para a existência no mundo, você não comerá mais os animais. E foi olhando para aquele ser frágil e selvagem que era o Chicó, que não pude mais comer carne, eu sentia que o desrespeitava, e o amor que eu senti por ele se estendeu a todos os seres deste mundo. Eu entendi pela primeira vez o quanto éramos tolos em comer nossos irmãozinhos de diferentes corpos. Me senti canibal, e percebi que realmente o era se entendia que Chicó era o meu igual. Aaai Chicó, sua passagem merecia muitas linhas, me ensinou tanto em tão pouco. E foi com o professor Laercio que obtive as explicações para todas essas sensações e experiências que vieram em doses cavalares em 2014, 2015, 2016 e 2017 e me transformaram em um novo ser. O professor Laercio é um astrofísico, médium, e extremamente consciente e iluminado, só ele conseguiu me trazer explicações razoáveis através de suas palestras gratuitas no youtube. As teorias que ele expõe com total clareza, eram certezas que eu tinha e não encontrava ninguém que as dividia, a forma racional e coerente que ele divide as suas certezas, são hoje um guia que eu mantenho sempre ao alcance da minha mão.
Foi em 2014 que comecei um processo que só encerrei este ano de 2018.
A palavra que eu mais ouvi em 2014 foi, GRATIDÃO.

Vozes: Baden pawell, Françoise Hardy, David Bowie, Los hermanos, Belchior, Céu, Lenine.

2015. Esse foi com certeza o ano em que eu mais curti estar viva, consciente e livre para fazer com o meu tempo o que eu sentia vontade, criar. O apartamento no centro foi uma morada incrível, onde recebemos muitas pessoas de vários cantos do Brasil, e além do Brasil. Lá construímos memórias dignas de um longametragem, mas o momento e a expansão da consciência pediam um lugar mais tranquilo e amplo, era impossível expandir qualquer coisa naquela caixa de sapato tão querida. Foi quando nos mudamos pro triplex de um amigo mais que querido no pilarzinho. Lá era meu paraíso, eu vivi naquela casa um dos meus últimos desejos da juventude curitibana, morar com amigos e criar um ambiente de criatividade artística intensa. Com influência da casa amarela da Frida kahlo, me imaginava sendo a mantenedora de um lar que fosse aberto aos público, a casa eu tinha, os amigos também, só faltava o público. E foi em uma guinada totalmente contrária do que eu vinha experimentando, que eu pude viver o último ano de forma renovadora em Curitiba.  Primeiramente, estávamos longe do barulho, das multidões do centro, dos museus, dos teatros, e morando ao lado de todos os parques do norte da cidade. O ar era refrescante, e a vizinhança silenciosa, os pássaros e os cachorros fizeram nossas primeiras noites impossíveis, depois nos acostumamos com a nossa vizinhança e tudo fluiu de forma tranquila e harmoniosa.Tinha uma roseira e um pé de tomate deixados pela antiga dona da casa, e minha varanda do quarto era sombreada por uma arvorezinha amigável, que se enchia de flores amarelas e abelhinhas na primavera. Se o ap do centro foi cena de filme, o triplex foi uma pintura de Van Gogh. Sem conhecer ainda a obra de Van Gogh na época como conheço hoje, pintamos a cozinha de amarelo, porque era a cor do meu momento, de renascimento e luz, e sentimentos extremos. Nossa casa foi arrumada de forma que tudo remetia ao desejo de produzir arte. As nossas amigas a Isa já mencionada e a Rafa, uma libriana de campinas, amiga de infância da Isa, vieram morar temporariamente  conosco. Elas dividiram um quarto da nossa maison, por três intensos meses. Foi um período de muitos sentimentos e experiências, eu me sentia totalmente desapegada no começo, não me importava de dividir tudo com todos. Eu e o Arnoldo fomos muito felizes no período em que estivemos com elas, e as nossas noites eram quase sempre animadas, e encorajavam debates debaixo do céu estrelado e negro, como eu não havia visto ainda em Curitiba.
As meninas eram vegetarianas, e isso facilitou muito nosso convívio, o que não facilitou não importa, somos todos seres defeituosos, mas o amor prevalece sempre acima de qualquer infortúnio. E nós vivemos amorosamente com nosso gato Chicó, com a Rafa e a Isa, e nossos amigos das estrelas que eram assunto pra madrugadas regadas a cerveja, vinho, muita música, loguka e
ás vezes marijuana. Cada um sabe o que desperta a sua fala, pra mim o vinho é batata. Fizemos muitas festinhas de natal no sótão e na cozinha, e para isso não tinha dia. Quando um estava em baixa, o outro sempre trazia regalias, e nem preciso dizer que o Arnoldo muitas vezes se cansava das nossas filosofias. Éramos três jovens fêmeas com toda uma vida pela frente contra um quase quarentão, cheio de cansaços e responsabilidades que nenhuma de nós conhecia ou concebia. Mas toda a nossa energia servia para restaurar nele a fé na humanidade que ela já quase não via. Nós quatro nos completávamos em nossos espíritos quebrados e em reconstrução, muitas coisas nos unia e desunia, a imaturidade não ajudava muito, mas o amor, a espiritualidade e o respeito, nos mantinha vivos e na maioria do tempo em harmonia.
Neste período criamos muitas coisas, e eu me inspirava como nunca a escrever prosa em detrimento da poesia. Eram dias ensolarados de noites frescas e muitos miados. Com o passar do tempo, nossa casa virou palco de ensaio para a banda da Isa, e isso me excitava, queria viver como Frida, no meio da arte, no meio de espíritos de energia positivas.
E foi neste ano que a Régis se consolidou ainda mais na minha teia de amigos, nossos espíritos se encontraram como nunca, e a admiração que eu tinha por ela, era coisa louca, uma mulher que merece ser aplaudida em pé, sem exageros, uma guerreira que era mastigada pelo mundo e vencia todos os dias. Eu via a Régis nas aulas de literatura, ela era uma pessoa que chamava a minha atenção, entrava e saía com a mesma velocidade, nunca encontrei ela pelos corredores, era visível que sua vida não girava em torno da universidade. E lá em 2013, quando ela ficou sabendo do meu encontro com Oswaldo, ficou alucinada, e se aproximou de mim, como eu jamais preveria. Nossa conexão só aumentou, e todas as barras que ela aguentou, eu a vi enfrentar com maestria. Foi um dos últimos tesouros que Curitiba me deu, e guardo ela no mesmo baú que todas as outras amigas e amigos que conheci nestes sete anos de Curitiba. Foi um casamento longo com a cidade, e em 2015 a crise do país, junto com as transformações que aconteceram nos nossos espíritos e em nossas vidas, vieram por fim ao período até então, de maior transformação e riqueza pessoal que eu jamais havia imaginado em todas as minhas alucinações de adolescente, e ficções literárias. Vivi um ápice de crescimento humano que eu não saberia contabilizar, só posso desejar que meu filho passe por esse movimento um dia.
Depois que as meninas foram embora do triplex em meados de junho, o movimento dos meus dias acabaram, e agora eu tinha mais espaço e tempo para aprofundar minhas experiências espirituais e artísticas introspectivas. E foi assim, que passei a meditar, compor músicas para o novo gato o Peri, e a escrever novamente poesia. Eu me impus uma rotina, acordava cedo, lia, escrevia, me alongava, pesquisava qualquer coisa. E ouvia as palestras do professor Laercio no youtube. O nível de consciência que eu adquiri como ser espiritual nesse ano, é maravilhoso, nunca tinha estado mais consciente da vida do que nesse ano. E ter essa compreensão acalmou mais ainda as minhas expectativas, e a paciência se tornou meu lema e minha sina. Com as meditações antes do meio dia, consegui ter luzes que me inspiraram muito, e me tornaram ainda mais criativa. Em uma dessas meditações visualizei os meus poemas sendo personificados através de performances no youtube, nunca me passou pela cabeça tal ousadia, mas naquele período minha energia estava a toda, e tudo o que remetia à arte eu seguia e não discutia. Sabia que seria apenas uma memória pra mim mesma pra algum dia de baixa estima, e foi revigorante transformar meus poemas em som, e voz, e corpo e máscara. Era a Musa quem falava, eu nunca tinha interpretado, e foi sem nada que fiz isso. Quando lembro da câmera de celular que gravei aqueles vídeos, vejo quanto ousada fui, não sei se repetiria tal anarquia. Mas estão guardados na memória do youtube, e meu filho e sobrinhos rirão disso um dia, quando eu for velha o suficiente pra achar belo esse gesto impetuoso de expor tudo o que eu não saberia ser, toda a minha arte jamais mencionada, jamais reconhecida. Vai ser revigorante e talvez até inspire os jovens e amigos, dos amigos das nossas crias algum dia. Mas as músicas, vídeos, textos e pensamentos que criei naquele ano, no triplex, nas noites sozinhas em que o Arnoldo ia tocar fora da cidade, e por medo de bandidos invadirem a casa, eu tocava violão a noite toda, na companhia do gato Peri, e embriagada pelo sono construía canções e melodias que saíam de alguma parte de mim que em sã consciência parecia inacessível.
Quando no fim de setembro decidimos voltar pra Corbélia, eu já não amava mais Curitiba, dela me divorciara, e sentia raiva por ter nos expulsado, logo agora, que fazíamos auto-hemoterapia todas as quartas, que a feira do bairro tinha as melhores frutas. Que as tardes de domingo na rua São Francisco ofereciam diversão gratuita. Sim, nós já havíamos decorado os quadros pendurados nas paredes do MON, nossos amigos já faziam parte da nossa rotina, e o mapa de Curitiba estava fotografado nas minhas retinas. Foi com tristeza que me despedi de Curitiba, mas não queria ir pra lugar nenhum, nem pra Europa, Floripa, ou qualquer outra cidade que não fosse Curitiba, só pensava em voltar pra casa, eu precisava entender e assimilar todos aqueles anos na terra dos pinhões. Meu espírito estava esgotado e já desejava um lugar mais calmo, uma vida mais simples, e a humildade que eu ainda não sentia, viria mais cedo do que eu previa, mas com uma imensa dificuldade em ser aceita, eu ainda sentia ansiedades que não controlava, ainda era egoísta, ainda me orgulhava de feitos que eram fatos dados, e dos quais eu pouco compreendia. Enfim, a temporada em Curitiba foi um aglomerado de informações que nenhuma pesquisa no google me traria. Cheguei menina, e voltei mulher adulta. Cheia de histórias, e completa pelos amigos que não se esvaziam jamais da minha mente. Persigo seus passos e comemoro suas vitórias. As páginas que escrevi naqueles anos, ainda as leio com a lágrima e o riso pesando sempre do mesmo lado. Nos últimos passos que dei naquele asfalto tão cinza, tão limpo, eu vi minha sombra e não senti pena do que eu não mais veria, eu sabia que outras páginas seriam escritas, não conhecia o conteúdo, mas sempre soube da efemeridade das coisas e da perda dos significados. Tudo tem fim, menos a memória e o espírito que são eternos mesmo quando julgamos acabados.

2016. O ano em que o Caetano finalmente veio.
Em 2012, fomos num médium famoso em Toledo, que nos disse que havia um menininho esperando pra encarnar no meu ombro direito. Em janeiro de 2016, eu e o Arnoldo estávamos em Corbélia, na casa da minha mãe dando um tempo desde outubro de 2015 quando viemos de Curitiba em uma longa viagem de carro, com um gato, uma horta, passando por Floripa e chegando em fim no velho oeste paranaense. Fizemos vários planos, e quando chegamos decidimos que o Arnoldo iria descansar por um tempo e eu depois de janeiro iria atrás de um trabalho. Mas 05 de janeiro transamos sem camisinha no meu período fértil, então, depois de três semanas minha menstruação não veio, e uma semana depois enquanto o Arnoldo fazia uma viagem rápida com meu pai até paranaguá, eu a mando de minha mãe fiz um exame de anemia e outro de gravidez, segundo ela, só um destes dois fenômenos poderiam justificar a minha leseira, eu dizia que era só o calor cozinhando meu corpo, e eis que nesta semana fui entregar currículo em Cascavel nas escolas, no último colégio, o ideal, eu fui chamada para a entrevista, na sexta-feira desta semana, não me recordo o porquê, mas todas as pessoas da minha família se encontravam na casa da minha mãe, às cinco horas minha irmã chegou com o exame, eu abri, quase desfaleci, o Arnoldo só ria, e eu amarela de medo, de insegurança, de descontentamento, e alegria, e euforia, sentei e falei, agora só me falta o emprego. Às cinco e meia da tarde me ligam do ideal dizendo que eu havia conseguido a vaga para professora de espanhol, a qual eu recusei na outra semana quando descobri o valor das aulas que mal pagariam as despesas de ida e volta e alimento. Decidimos então que o Arnoldo iria trabalhar e eu ficaria novamente em casa, agora gestando. gerando a vida dentro de mim na maior tranquilidade possível. E essa foi a revolução com a qual nós não contávamos em nossa vida, não neste momento, fosse dois anos antes, tudo estaria perfeito. Plano de saúde, instalação do bebê, estabilidade financeira, e todas as condições para o sonhado parto humanizado em Curitiba. Mas éramos recém chegados no velho oeste, completamente desavisados do tempo que aqui havia parado. Tudo parecia precário e descompensado. A comida era pavorosa, tudo muito doce, tudo muito salgado. Os vegetais frescos cheiravam agrotóxicos, e o sabor era indecifrável, as ruas eras sujas da poeira acumulada, e da terra vermelha que macha todos os móveis e sapatos. Somado à isso, meus hormônios me enlouqueceram, me desequilibraram como na puberdade, foi o ano em que voltei a me sentir como na adolescência, vivendo em uma cidade sem esperanças, sem perspectivas e com os sentimentos completamente instáveis. A superfície de tudo me parecia impuro, mas eu sabia que era exatamente ali que eu deveria estar naquele momento, sempre planejei ter meus filhos no interior, sempre desejei que tivessem a infância segura e livre que eu tive, assim como a proximidade física com os amigos do bairro. E agora, não havia nada mais que eu queria nesta vida do que ter meu filho ao lado da minha família. E todas as regalias da cidade grande foram sendo esquecidas através do amor da família. Mas tudo fez sentido, todas as privações eram superadas facilmente com a minha florzinha, a Laura. Nós nos amamos intensamente todos os dias durante um ano e alguns meses. Nossa relação vêm de tempos, e todas as manhãs quando aquele ser tão pequenininho chegava na nossa casa, meu peito se derretia e o sono perdia vez. Os dias eram só dela, meu tempo era o seu tempo. Aquele voz tão meiga e desgovernada me acalentavam, e despertavam o Caê de seu templo. Um amor desses, que nos torna cegos, e monopolizados todo o tempo é difícil de ser superado, só o amor de mãe pra equilibrar em seu peito tantos amores ao mesmo tempo. Com a Laura fui aprendendo a ser mãe e tia, e pude realizar meu sonho de transmitir todo a minha teoria materna a ela. Nós duas gestamos o Caê, ela o amou desde o começo. E nós vivemos com intensidade esses noves meses numa casa grande, ensolarada de madeira, com frutas no terreiro e gatos por todos os lados. Foi um inverno passado ao redor do fogão à lenha, com leite direto da vaca e mandioca colhida na horta. Os dias eram tranquilos e esparsos. O único som noturno era o dos meus chinelos no assoalho que, faziam ranger toda a casa com o peso do meu corpo esférico e lento deixando rastros. A gestação foi me acalmando de uma forma que ao final meu equilíbrio já estava restaurado. E no dia sete de setembro a bolsa rompeu, e eu não fiquei em choque nem histérica, apenas continuei com os mesmos lentos passos, até a madrugada, quando fui ao posto, e então transferida para Cascavel. O Caê veio a nascer no dia 08 de setembro no fim do turno de um ótimo médico. Foi cesárea, muito bem conduzida e justificada com a incapacidade do meu colo dilatar mesmo com ajuda da ciência médica. Foi lindo, o Arnoldo corria pela sala cirúrgica segurando o Caê nos braços com o sorriso mais largo e me pedia pra cantar o leãozinho, e eu mal conseguia manter os olhos abertos pra enxergar o filho que coloquei no mundo. Desde esse dia nunca mais dormi uma noite inteira, e os anos foram medidos entre uma mamada e outra, entre uma papinha e outra, os dias não são mais os mesmos, nem o tempo. Levei dois dias pra conseguir conceber esse texto, porque os intervalos são poucos, e a atenção pra ele bastante. Não ouso corrigir esse texto, tudo nele vai ficar imperfeito como a nossa vida parece ser. Confuso, cheio de tropeços, mas com um sentido maior para tudo.
O ano de 2017 foi de transformação novamente. Eu me reinventei, agora mãe, agora mais forte e mais objetiva, sem muitos pretextos, sem muita paciência para nada que não seja o bem estar do meu primogênito. Os motivos do mundo são mesquinhos e intrigueiros, não contamino mais minha vida com nada que não seja feito de luz e amor. Todas as políticas do mundo são feitas através do ego, todas as decisões do mundo são tomadas por homens que só conhecem a mesma arma, eles desconhecem totalmente a razão da alma. Eu não aconselho ninguém, porque minhas palavras são secas e diretas, elas não agradam e nem fazem casa onde o ego se mantém. O ano de 2017 passou entre dificuldades enormes nesse meu aprendizado diário que é ser mãe, porque é algo do qual não me dissocio facilmente, é um título que ninguém mais quer carregar, é uma responsabilidade que dói, cansa, e priva dos maiores confortos terrenos. Ser mãe me trouxe para um lugar onde não há luxúria, egoísmo, nem vaidades. Assim como o amor que eu tinha pelo Chicó se estendeu por todos os seres do reino dévico, o Amor que eu sinto pelo Caê se expandiu por todas as crianças do mundo. E agora nada mais importa, todas as ideologias e filosofias que não visem o bem estar destes espíritos frágeis e dependentes de nós seres adultos e capazes, me importa. A humildade eu só vim conhecer agora. E humildade eu entendo pela incapacidade de criticar qualquer forma de vida, incapacidade de culpar o outro, de questionar os motivos alheios, de identificar o que o outro faz como não sendo direito. Eu sei o que eu não sei do mundo, e isso já me basta. Hoje aos 27 anos, em 2018, após dez anos de estrada, eu posso dizer que como ser humano estou evoluindo dentro das minhas possibilidades, eu reconheço os meus fracassos sem dor, eu vejo o meu presente e o meu futuro sem medo. Já tenho ideais que se cristalizaram em minha compreensão de mundo e só mudarão quando eu for capaz de enxergar as coisas que ainda não vejo, com meus próprios olhos, ou melhor, com todos os meus olhos. Eu sou imensamente grata pela trajetória que escolhi, por todas as passagens até aqui, da minha capacidade de discernir e perdoar, eu sou grata pelas pessoas que me acolhem em seus corações e me leem como eu realmente sou. Sou grata pela minha família que me ama mesmo não me conhecendo como eu gostaria, que compreende pouco os meus desejos, mas me apoia e não interfere neles, e porque foram eles que me ensinaram a amar todas as vezes que me dão amor, e me recebem em seus lares com um sorriso que muitas famílias desconhecem. Eu sou grata por nesses 27 anos nunca ter passado pela fome, pela doença, por dificuldades que não conseguem ser superadas. Eu agradeço pelo avanço da tecnologia e  suas facilidades. Eu sou grata pelos professores que amam, porque sem isso, o sistema de ensino morre. Eu sou grata ao Arnoldo que me acompanhou esses últimos dez anos da minha vida, e fez dela o mais agradável possível, mesmo que pra ele o sacrifício não fosse leve. E agradeço por tê-lo transformado inteiramente assim como ele me transformou.
Hoje somos uma família cheia de amor, filosofia, histórias incríveis, espiritualizada e sem religião.
O que eu deixei para depois dos 27 é um sonho grande de ver o mundo despertar e trabalhar ferozmente para acordar quantos espíritos eu puder sem imposições. E deixei sonhos pequenos, realizáveis com um pouco de trabalho físico e intelectual.
Eu nunca pensei que escreveria um texto da minha vida sem sentir dor, sem sofrer, e o que me surpreendeu nesse processo foi exatamente isso, esse balanço me mostrou que a forma como eu lembro da minha vida é extremamente feliz e cheio de boas energias.
Esse texto era para ter sido acabado ontem, no meu aniversário, mas ficou pra hoje e só consegui concluí-lo porque meu marido está em casa e deu conta de tudo sozinho. São quinze horas de escrita contínua. Não tenho pique para corrigi-lo. conforme o tempo for passando, eu vou revisando e recuperando algumas coisas esquecidas.

Vozes desde 2016 até hoje: Bita, onça felinda, palavra cantada, turminha paraíso, canções da fazenda, Céu, Alceu Valença, Francisco el hombre, Bethânia, e por aí vai.

Obrigada aos que chegaram até aqui. Não é um poema, é a história dos últimos dez anos da  minha vida. Tentei ser o menos prolixa possível, imaginem, caber tantos anos em duas páginas apenas, é de cortar muita história fora.

Bem, tenham uma boa vida, e espero que tenham forças para fazer um balanço de seus idos queridos também, daqui dez anos escreverei um novo balanço e então terei duas décadas de registro para os meus já então jovens sobrinhos e filho se deleitarem ao conhecer, a pessoa que eu fui, sou e serei.

Bisous.

Juliana da Silva. 27 de abril de 2018.



domingo, 15 de abril de 2018

haverá um lacre no meu coração?

Bonjour leitores e amigos, um poema para o domingo.

Será você? O lacre no meu coração.

Teus olhos ainda voltam a me espiar, eu sei.
Hoje você veio me encorajar.
Sua fisionomia era como a da última vida.
Cabelos louros, rosto forte decidido.
Sua corpulência é a mesma de todas as vidas.
Seu abraço apertado em minha cintura foi o mesmo da última fuga.
Mas na última vez eu não estava pronta para o teu abraço.
Escorri ainda um pouco pelo lado.
Mas hoje se teu corpo me enlaça, 
eu abro as minhas asas e te elevo aos céus.
E juntos arracacamos todos os lacres do meu peito.
Libertando minha dúvida e meus fracassos.
Costurando juntos um novo itinerário.

Arranco para você o lacre que me segreda.

E deixo sua alma penetrar nos mundos omissos do meu ser.

Nada resistirá ao seu toque.

Nenhum neutrino me alterará.
apenas a chama acesa de seus graves olhos me farão rolar escada abaixo e implorar pra nunca mais renascer neste mundo sem te reconhecer.

Juliana S. Müller.

terça-feira, 20 de março de 2018

Vai(a)idade.

Bonjour leitores e amigos, o poema de hoje é um dos bons. Geralmente eu posto qualquer poema que eu escreva, mas ultimamente tenho guardado muitos, por não saber o que fazer com eles. Talvez arranje-os em um livro, mas não os deixarei assim por muito tempo, poema não serve pra ficar engavetado. Para as gavetas nos deixamos as traças e os ratos. Para os poemas nós esperamos o contato com as mentes e os corações do leitor, e quem sabe uns minutos de salvação.
A arte só salva momentos, que podem ou não permanecer em nós por alguns dias, em mim permanece somente o tempo de escrever e sonhar. Depois, esvanecem-se e os esqueço. Um dia retomo e já não tem o mesmo tom nem o mesmo impacto, o que me mostra o quanto a arte é indiferente ao que se propõe. A assimilação sempre dependerá do contexto que o leitor está inserido naquele instante, então é interessante a ele, ou insignificante.
A beleza da mutação e da efemeridade da arte é pra mim uma droga alucinante.
bisous caro leitor.

20 DE MARÇO DE 2018

Toda a construção em mim vai descascando pelo tempo,
Sem uso, 
aos poucos tudo vai se perdendo.
Eu não lamento
O empenho nas aulas de francês.
Os discursos literários.
O pensamento complexo
e os formalistaS operários.
Todas essas gavetas foram fechadas.
E quando abro, encontro nada.
Só restaram as etiquetas e pastas acumuladas.
A promessa de uma retomada.
Não ouso.
Não faço a manutenção da minha obra.
Deixo as horas corroerem tudo.
Todo pensamento filosófico,
Todo sentimento saudoso dos prédios,
Toda a artimanha artística dos versos.
Não recupero.
Esqueço todo o resto.
E como uma criança recém acordada
Inicio tudo desde o começo.
Com o sentimento puro de quem olha pela primeira vez o mundo.
Sem medo,
Sem teorias,
Sem conversas abstratas.
Apenas o sentimento de existir no mundo.
E exprimir nos versos cada sensação de descobrimento.
Explorando lugares nativos da minh'alma.
Enquanto as paredes do meu cérebro se desmoronam.

Todos os ruídos que o homem faz, me ensurdecem.
Suas falas, suas marchas, suas vestes,
Tudo me enfurece.
E como criança que sou,
chamo pela minha mãe.
Não quero Bakhtin nessas horas.
Foucault ou qualquer outro teórico que franza meu cenho.
Quero apenas o riso sincero, 
que só me arranca da carne 
os que não foram comidos pelo cemitério.

A vaidade é um sentimento que só merece desprezo.
Não me apego ao texto.
Não me apego ao EGO.
Não tenho ódio aos nomes que cito.
Só tenho um desejo.
Ser ninguém.
e nisso não há exclusividade.
Nisso não há méritos.

Juliana S. Müller

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Dos arrebatamentos que encontro na minha jornada, conhecer a histórias dos grandes avatares é uma mesma sentença dada de diferentes formas. A cada grande gênio, encontro um pouquinho do meu fracasso, da minha trajetória terrestre, e sinto as mesmas feridas, e vejo a mesma sociedade não compreendendo as diferentes formas de viver e sentir o mundo. Vejo os mesmos bloqueios sociais, e as estruturas que as instituições construíram e engendraram de tal forma que continuam a barrar e desacreditar os grandes espíritos que aqui tentam a sua jornada.
Não me compararia em brilhantismo a qualquer um destes deuses, mas conhecer os seus fracassos me faz tão gloriosa e crente de minhas capacidades quanto qualquer grande obra. O não domínio de mim mesma talvez seja a grande paleta de cores da minha alma.

Tenham uma linda semana.
Bonjour.

28 de fevereiro de 2018. quarta-feira

Ela sente tudo!
Ela sente tudo agudamente!

Essas palavras saírão um dia de ti.
Enquanto suas bocas emudecem
Eu assisto as minhas histórias nas telas de Vincent.
Ainda não domino suas cores, 
mas já as deleito em meu vocabulário.
Então um gênio em carne sentiu o mesmo que eu.
Então um gênio em carne comeu do mesmo prato que um ser desbotado "comme moi"?
Sim.
Enquanto me aflijo em inúmeras loucuras.
Enquanto me encerro em inúmeras dúvidas.
Vou me tornando cada vez mais Van Gogh.
Quando menos me encaixo no mundo carnal
Quanto mais amo todas as vidas deste mundo
mais vejo em mim seu retrato de moribundo.
Vincent, em que momento da minha jornada me tornei você?
Por que demorei tanto para em ti me conhecer?
As pessoas sempre chegam na minha história
quando o meu personagem parece sem trajetória.
Então as suas glórias me fazem crer novamente na minha própria prova.
Nas cartas que envio com o calor das horas.
Nos arrependimentos que não tenho pelos amores secundários, efêmeros,
que me fazem mais poeta do que em horas sórdidas.
Quando menos quero ser alguém.
Quando me declaro oficialmente ninguém de lugar nenhum.
Quando treino essa resposta aos mestres e me acho tola.
Encontro um Vincent que foi ninguém, e morreu como louco.
Amado por poucos.
Uma obra duvidosa.
Uma vida de ostracismo, fracassada.
Um homem que qualquer luz adivinharia sua morada.
Um gênio que calava dentro de si a sua glória.
O que devo pensar eu de mim?
Todos os quadros pelos quais passei, distoei.
E essa tela em branco em que me anulo todos os dias,
será a inscrição de uma glória vinda?
Todos os rostos cheios de louvores me passam a mente.
E vejo meu retrato completamente distoante,
um currículo vazio e uma alma desconcertante.
Devo eu temer por me tornar um Vincent,
envergonhando os que amo e vivendo de cravos.
Não construo eu um paradoxo pra esse caso.
Não me encorajarei jamais a ser como o todo.
Viverei só e louca, mas jamais BEBEREI da ganância dos povos.
Enterrei minha última partícula do ego,
quando aceitei vexada aquele trabalho escravo.

Agora sou livre.
Agora sou Vincent.
Não tem jeito,
nasci de novo
um outro tempo
mas o mesmo ovo.
Vou morrer com o mesmo sonho.
Vou tornar-me gênio póstumo,
de um outro povo.

Juliana S. Müller