terça-feira, 30 de abril de 2019

Terças serão a marca de que eu tanto preciso para não me iludir, para saber exatamente o mundo em que eu estou, para não me comprometer com o que é inútil, para deixar o que não é e nunca será.
Tenho 28 anos e muitos desgosto, mas eu já abracei a consciência, eu já flertei com a luz, e essa sensação não será arrancada facilmente, antes disso acontecer, eu arranco de mim o que tenta me definir.

30/04/2019

Eu queria que vocês vissem os raios que saem de mim quando eu sorrio
Mas os dias são feitos de aço e estilhaço.
E tudo o que saem de mim são brados, nem luzes nem abraços.
Minha voz estridente foge entre meus dentes
e atinge a primeira face que não consegue escapar.

Eu só queria estar no topo de mim mesma agora,
Olhando para baixo de meus ombros e enxergando a mim
e aos meus esforços ridículos para me manter sã
Enquanto milhares de almas desequilibram ao meu redor.

Mas em vez de bradar, desta vez, vou sorrir.
Vou sair levitando pela janela,
Vou esquecer que sou humana
que tenho limite nas paredes,
que tenho horas para chegar e partir.
Que tenho que me alimentar,
Hora para deitar, para dormir.

Vou esquecer que sou responsável
Vou surtar, 
vou jogar os dados no ralo,
Vou me despedir deste ser,
Enquanto estou nestas situações,
o mundo não implora pela minha volta
Ninguém percebe a nossa ausência
só mesmo nós conseguimos sentir quando a nossa áurea está imunda
Suja e gasta pelo lixo do mundo que vocês são.

Eu vou orar aos deuses
eu vou orar para que todos me perdoem
Porque a hora que eu for, 
não deixarei nem bilhetes
nem desaforos.
Carregarei tudo comigo,
Meus livros e meu amor.
E as dores de garganta causadas pelo esforço repetido
eu deixarei contigo.

A trilha sonora da minha liberdade é cantada por um desconhecido 
na porta de um mercado em quem ninguém nota, 
em quem ninguém se importa,
apenas o meu desespero atento,
apenas o meu repetido lamento.

Eu tenho um coração...
Eu ainda tenho unhas dentes e 
não deixarei arrancarem a minha pele,
não.

Juliana Silva Müller.

domingo, 14 de abril de 2019

Poema pro gato Peri, ser que veio somar, ensinar, amar, distrair.
De algum dia do inverno passado.





Era matéria.
Densa.
Pesada.
Macia.
Volumosa.

Era alheio.
a todos.
aos outros gatos.
Ao perigo.
Ao amigo.

Era carinhoso.
Amava um dia não, o outro sim.
Mordia os tornozelos.
Seguia seus donos até o portão feito cachorro.
Amigo dos humanos,
inimigo de sua espécie.

Era friolento.
No inverno se enfiava nas cobertas,
e dormia com a cabeça no travesseiro.
Feito gente.
Passava os dias no pé do fogão à lenha.
Passava as noites nos pescoços.

Era chato.
Acordava de madrugada e miava.
Acordava cedinho e miava.
Queria fazer xixi, miava.
Queria abrir a porta miava.
Queria ser gente, miava.

Era gato.
Morreu não se sabe como.
amanheceu no asfalto.
como num prenúncio meu
como num sonho acordado.

No início o peso de seu corpo foi sentido no coração.
Pesava. doía.
Depois foi virando éter.
Uns dias mais e só sentia um leve movimento,
seu pulo pesado na cama.
Suas patas afofando as cobertas nas minhas pernas.
Tudo isso foi se desfazendo.
E ficou apenas as suas aparições fantasmagóricas.
Entretendo o filho,
Arrancando-lhe gargalhadas.

O filho que entende mais de ser gato do que humano.
Que é todo Peri.
Que ignora os signos humanos.
Que anda como gato.
Que brinca como gato.
Que ama como gato.

E eu aprendi a amar os espíritos trocados.
A olhar as razões com outros olhos.
A sentir o amor de humano e de gato.
De gato que quer ser homem
de homem que quer ser gato.

As experiências são divididas, existência é uma só.

Juliana S. Müller.



sexta-feira, 5 de abril de 2019

Bonne nuit.

Hoje um aluno disse em sala,
- Eu acho que a maestra é a professora que mais sabe filosofar.
Aulas de artes,
Aulas de filosofia,
Aulas de história,
Mas é na aula de espanhol que os niños aprendem a pensar.
Como?

Não dou aulas de idioma,
Entre o verbo e o Ser, escolho você.
Escolho todos vocês,
Todas essas faces de incredulidade,
Todas essas pestanas levantadas
Todo esse silêncio que irrompe do meio da convulsão de bocas
que se escancaram durante o tempo que têm para comunicar.
Quando deixo a importância do verbo morrer e toco no ser,
até mesmo as bocas mais esgarçadas se fecham.
E todos os ouvidos se abrem,
e os corações disparam,
e depois de ouvirem a minha verdade
As perguntas jorram,
a curiosidade aflora,
e minha aula de espanhol vira,
aula da vida,
aula de yoga, filosofia, história, misticismo, budismo, psiquismo, e todas as pautas que ninguém quem pausar.
Eles ouvem o que lhes falta,
Eles se abrem para o que lhes calam.
No fundo todos os niños sabem o que realmente importa,
quando você disser algo que realmente signifique no ser,
eles refletirão,
eles ouvirão e não esquecerão até a próxima prova,
até o próximo ano
até a próxima etapa da vida.
Eles guardarão nas gavetas que Dalí escancarou,
Eles serão homens e mulheres e lembrarão das nossas aulas.
O idioma é a nossa desculpa,
Para evitar os divãs e refletir em grupo a angustia que nos assola.

Juliana S. Müller